Antonio Barreto
É difícil acreditar, mas meu primeiro
beijo foi num ônibus, na volta da escola. E sabem com quem? Com o Cultura
Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu nem ele sabíamos exatamente o que era “o
beijo”. Só de filme. Estávamos virgens nesse assunto, e morrendo de medo. Mas
aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou
de Química, o Culta tinha me mandado um dos seus milhares de bilhetinhos:
“Você é a
glicose do meu metabolismo.
Te amo
muito!
Paracelso”.
E assinou com uma letrinha miúda:
Paracelso. Paracelso era outro apelido dele. Assinou com letrinha tão minúscula
que quase tive dó, tive pena, instinto maternal, coisas de mulher... E também
não sei por quê: resolvi dar uma chance pra ele, mesmo sem saber que tipo de
lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês,
pediu pra me acompanhar até em
casa. No ônibus, veio com o seguinte papo:
− Um beijo
pode deixar a gente exausto, sabia? − Fiz cara de desentendida.
Mas ele
continuou:
− Dependendo do beijo, a gente põe em
ação 29 músculos, consome cerca de 12 calorias e acelera o coração de 70 para
150 batidas por minuto. − Aí ele tomou coragem e pegou na minha mão. Mas
continuou salivando seus perdigotos:
− A gente também gasta, na saliva,
nada menos que 9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 0,18 g de substâncias
orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo menos 250
bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o
rosto do meu e, tremendo, tirou seus óculos, tirou os meus, e ficamos nos
olhando, de pertinho. O bastante para que eu descobrisse que, sem os óculos,
seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis e brilhantes. E achei gostoso
aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente. Ele beijou a pontinha do meu
nariz, fechei os olhos e senti sua respiração ofegante. Seus lábios tocaram os
meus. Primeiro de leve, depois com mais força, e então nos abraçamos de bocas
coladas, por alguns segundos.
E de repente o ônibus já havia
chegado no ponto final e já tínhamos transposto, juntos, o abismo do primeiro
beijo.
Desci, cheguei em casa, nos beijamos
de novo no portão do prédio, e aí ficamos apaixonados por várias semanas. Até
que o mundo rolou, as luas vieram e voltaram, o tempo se esqueceu do tempo, as
contas de telefone aumentaram, depois diminuíram... e foi ficando nisso.
Normal. Que nem meu primeiro beijo. Mas foi inesquecível!
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