Raul Annes Gonçalves
Quatro gaúchos, desde a madrugada,
troteavam estrada afora com um lote de cavalos por diante. Às nove horas
acamparam junto a uma sanga, onde havia algumas árvores, para tomarem café e
mudarem de cavalo.
Improvisaram uma forma contra um
aramado e pegaram os cavalos para muda. Fizeram fogo e puseram as chicolateiras
com água para esquentar. Depois, desencilharam os montados, tirando das malas
de garupa o café, as bolachas e o açúcar.
Naquele tempo o café era composto, isto é,
com açúcar dava uma tintura preta com um forte e agradável cheiro. Em geral, os
tropeiros costumavam dividir as obrigações do fogão entre si. A um tocava fazer
café, outro era o assador de carne; a um terceiro cabia fazer e encher o mate,
a outro, a responsabilidade de juntar lenha; desta maneira tornava-se fácil e
até mesmo divertido o trabalho.
O encarregado de fazer café naquela
manhã, assim que ferveu uma das chicolateiras, a retirou do fogo e despejou
dentro dela duas colheres de café em pó. Mexeu-o bem com a ponta da faca até dissolver
todo; depois tornou a pôr a chicolateira no fogo. Quando levantou nova fervura,
deixou que transbordasse um pouco do líquido pela beira da vasilha. Em seguida,
retirou-a do fogo e meteu um tição aceso dentro do café, que provocou nova
ebulição. Ali o manteve por segundos.
Isso feito, com as costas da faca,
deu algumas pancadinhas por fora, na chicolateira. Estava pronto o café. Quando
não há tição, por exemplo, em fogo de gravetos, ou em zona que existe lenha e o
fogo é feito com corunilha, isto é, esterco seco de gado, nestes casos, pondo
água fria na fervura do café, ajuda a sentar a borra.
Feito o café em chicolateiras ou
cambonas, ficava à disposição dos tropeiros. Estes serviam-se despejando o café
em seus canecos alouçados ou guampas onde botavam açúcar a seu contento.
Depois de servidos, com uma bolacha
na mão e o copo de café na outra, sentavam nos arreios ou nos pelegos dobrados,
às vezes colocados em cima de uma caveira de vaca, já limpa pelo tempo, ou de
alguma pedra, fazendo às vezes de banco. Alguns preferiam ficar acocorados nos
“garrões”, como é hábito entre nosso homem do campo, e, assim acomodados,
tomavam tranquilamente, o café da manhã.
Finda esta ligeira refeição, lavavam
os copos e guardavam na mala de garupa o açúcar, bolacha e o café em pó. A sobra do café nas
cambonas era posto fora e as vasilhas bem lavadas na sanga. Estas mesmas
chicolateiras ou cambonas serviam para, ao meio-dia, aquentar a água para o
amargo, como também para preparar a salmoura para o assado. Levantando o
acampamento, os tropeiros seguiam a trote chasqueiro, estrada afora, pitando um
crioulo.
Os gaúchos viajavam dias, fazendo 10 a 15 léguas diárias sem se
aborrecerem. Nem se davam conta do tempo perdido nestas jornadas. Para eles a
questão do tempo era indiferente; depois de um dia vinha outro; o importante,
sim, era o serviço que estavam incumbidos de fazer.
Do livro “Mala de Garupa – Costumes Campeiros”,
de Raul Annes
Gonçalves”. Martins Livreiro Editor. 1999.
Vocabulário Gaúcho do texto:
Cambona → Pava* – recipiente que serve para aquecer
líquidos.
Chicolateira → Pava ou recipiente
(obra de funileiro) que serve para aquecer líquidos. Figura abaixo:
*Pava → É recipiente onde se
verte em cima água quente proveniente de um recipiente esquentado ao fogo
denominado “pava” (chaleira).
Garrões → Tornozelos.
Mala de garupa → Estas peças da indumentária
campeira se chamam “mala de garupa”, porque originalmente eram colocadas sobre
o lombo do cavalo. Eram feitas em couro, e o seu nome era “peçuelos”.
Pitar um crioulo → Fazer um
cigarro de palha com fumo picado.
Chasqueiro → Diz-se do trote largo e incômodo dos cavalos.
Sanga → Pequeno curso d’água menor que um regato ou arroio.
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