quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Arte e Redenção

(de Arthur Bispo do Rosário)


Jovem jornalista, editando um jornal de psicologia, conheci a vida e o trabalho de Arthur Bispo do Rosário. Fiquei entre perplexo e deslumbrado. Eu estava cansado de teorias e queria encontrar a “verdadeira vida”. Tomei um choque de beleza e de realidade. O que era aquela vida que me surgia como se fosse a de um personagem de Lima Barreto? Que obra era aquela que me fazia pensar nos dadaístas, nos surrealistas, nos geniais vanguardistas europeus? A arte definitivamente era uma abertura para percepções sem limites.

Comecei a falar de Arthur Bispo do Rosário como se o conhecesse. Os resumos biográficos virtuais descrevem-no sem rodeios: “negro, pobre e nordestino, ele foi boxeador e biscateiro”. Depois de surtar, no Rio de Janeiro, foi preso e fichado “como negro, sem documento e indigente”. Passaria 50 anos na Colônia Juliano Moreira, descontado o tempo de uma longa fuga, sob o diagnóstico de “esquizofrênico-paranoide”. No hospício, surgiria o grande artista, o criador de objetos sublimes com materiais recicláveis ao alcance das suas mãos. (vide foto acima)

Eu já passei muitas horas tentando decifrar a arte de Rosário. O que se esconde por trás das suas colagens de fragmentos tão falsamente díspares quanto fascinantes? Emana de casa objeto uma estética singular, profundamente humana, dolorosa, cotidiana, de uma beleza inclassificável, inusitada, radical. São imagens que não param de sussurrar alguma coisa. Um artista de vanguarda vítima de uma ciência retardatária, que encarcerava os “desviantes”, e de um imaginário de preconceitos convertidos em expressões de bom sendo e normalidade.

(...)

A cientista social Marta Claus, que estudou a trajetória desse gênio esquizofrênico, escreveu: “A originalidade que reveste a obra de Bispo é fruto de vários fatores: a ausência de formação acadêmica, a sua não relação com tempo cronológico, a falta de convívio social, e escassez de matéria prima especializada. Na solidão de seu ser reside a sua determinação. Ao reunir objetos banais na Colônia Juliano Moreira transforma-os em obras e instalações surpreendentes”.

Do nascimento em Japaratuba (Sergipe) para a morte em Jacarepaguá. Uma vida de reclusão, delírios, alucinações e arte. O que me chamou a atenção foi a enorme inscrição na entrada de Japaratuba: “Cidade onde nasceu Arthur Bispo do Rosário”. Que virada! O louco, o miserável, o desprezado, o repelido, o segregado, enfim, motivo de orgulho maior.

(Juremir Machado da Silva, Correio do Povo, fevereiro de 2018)

Arthur Bispo e sua arte




Nenhum comentário:

Postar um comentário