(Pernambuco)
Era uma vez um homem casado
com uma mulher muito dengosa, que fingia
não querer comer nada diante do marido. O marido foi reparando naquelas
afetações da mulher, e quando foi um dia ele lhe disse que ia fazer uma viagem
de muitos dias. Saiu, e em vez de partir para longe, escondeu-se por detrás da
cozinha, num cocho.
A
mulher, quando se viu sozinha, disse para a negra: “Ó negra, faz aí uma tapioca
bem grossa, que eu quero almoçar”. A negra fez e a mulher bateu* tudo, que nem
deixou farelo. Mais tarde ela disse á negra: “Ó negra, me mata aí um capão e me
ensopa bem ensopado para eu jantar”. A negra preparou o capão, e a mulher
devorou todo ele e nem deixou farelo. Mais tarde a mulher mandou fazer uns
beijus* muito fininhos para merendar. A negra os aprontou e ela os comeu. Depois
já de noite ela disse á negra: “Ó negra, prepara-me aí umas macaxeiras* bem
enxutas para eu cear”. A negra preparou as macaxeiras e a mulher ceou com café.
Nisto caiu um pé d'água muito forte. A negra estava tirando os pratos da mesa,
quando o dono da casa foi entrando pela porta a dentro. A mulher foi vendo o
marido e dizendo: “Oh! marido, com esta chuva tão grossa você veio tão enxuto”?
Ao que ele respondeu: “Se a chuva fosse tão grossa como a tapioca que vós
almoçastes, eu viria tão ensopado como o capão que vós jantastes; mas como ela
foi fina como os beijus que vós merendastes, eu vim tão enxuto como a macaxeira
que vós ceastes”. A mulher teve uma grande vergonha e deixou-se de dengos.
Contos Populares do Brasil por Silvio Romero
Sílvio
Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (Lagarto, Sergipe, 21 de abril de 1851 − Rio
de Janeiro, 18 de junho de 1914) foi um advogado, jornalista, crítico literário,
ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor,
professor e político brasileiro.
*Por
comeu.
*Em
Pernambuco a tapioca é o beiju de polvilho da mandioca, e o beiju é o da massa
da mesma.
*O
mesmo que aipim em Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro: Manihot aypi.
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