sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A mulher dengosa

(Pernambuco)


Era uma vez um homem casado com uma mulher muito dengosa, que fingia não querer comer nada diante do marido. O marido foi reparando naquelas afetações da mulher, e quando foi um dia ele lhe disse que ia fazer uma viagem de muitos dias. Saiu, e em vez de partir para longe, escondeu-se por detrás da cozinha, num cocho.

A mulher, quando se viu sozinha, disse para a negra: “Ó negra, faz aí uma tapioca bem grossa, que eu quero almoçar”. A negra fez e a mulher bateu* tudo, que nem deixou farelo. Mais tarde ela disse á negra: “Ó negra, me mata aí um capão e me ensopa bem ensopado para eu jantar”. A negra preparou o capão, e a mulher devorou todo ele e nem deixou farelo. Mais tarde a mulher mandou fazer uns beijus* muito fininhos para merendar. A negra os aprontou e ela os comeu. Depois já de noite ela disse á negra: “Ó negra, prepara-me aí umas macaxeiras* bem enxutas para eu cear”. A negra preparou as macaxeiras e a mulher ceou com café. Nisto caiu um pé d'água muito forte. A negra estava tirando os pratos da mesa, quando o dono da casa foi entrando pela porta a dentro. A mulher foi vendo o marido e dizendo: “Oh! marido, com esta chuva tão grossa você veio tão enxuto”? Ao que ele respondeu: “Se a chuva fosse tão grossa como a tapioca que vós almoçastes, eu viria tão ensopado como o capão que vós jantastes; mas como ela foi fina como os beijus que vós merendastes, eu vim tão enxuto como a macaxeira que vós ceastes”. A mulher teve uma grande vergonha e deixou-se de dengos.

Contos Populares do Brasil por Silvio Romero


Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (Lagarto, Sergipe, 21 de abril de 1851 − Rio de Janeiro, 18 de junho de 1914) foi um advogado, jornalista, crítico literário, ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor, professor e político brasileiro.

*Por comeu.
*Em Pernambuco a tapioca é o beiju de polvilho da mandioca, e o beiju é o da massa da mesma.
*O mesmo que aipim em Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro: Manihot aypi.

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