Era 1989 e Elba Ramalho curtia uma
noite qualquer na boate People, no Leblon. Lá pelas tantas, tomou o telefone do
lugar para avisar a alguém onde estava. “É na boate People!”, explicou, antes
de soletrar a palavra inglesa: “P-i-p-o-u”. Dias depois, a história estampava a
página assinada por Zózimo Barrozo do Amaral no “Jornal do Brasil”. O deslize
ortográfico deu o que falar.
− Na época, todo mundo riu,
óbvio. A questão é que ainda hoje esse caso é lembrado. E a Elba não fazia
ideia que isso ia acontecer − ressalta Joaquim Ferreira dos Santos, que acaba
de lançar “Enquanto houver champanhe, há esperança” (Editora Intrínseca), espécie
de biografia do jornalista icônico.
Ancorado em pesquisa detalhada, o
livro se debruça sobre as mais de 200 mil notas escritas pelo colunista social
ao longo de 33 anos de carreira para traçar um panorama da evolução do próprio
jornalismo. Foi Zózimo, lá na década de 70, quem rabiscou um novo tom às
páginas dedicadas a artistas e pessoas badaladas. Com ele, as linhas foram se
tornando um pouco tortas, e os sobrenomes refinados de gente rica (e famosa
apenas pelo simples fato de ser rica) foram perdendo importância.
− Ele veio para melhorar e acabar com
a coluna social. Era ridículo e cafona publicar o casamento da filha da
socialite Carmen Mayrink Veiga! Esses nomes não representavam mais nada, sabe?
Zózimo percebeu que ostentar essas riquezas de festas e batizados era algo de
muito mau gosto − afirma o repórter e cronista, que trabalhou com o biografado
no “Jornal do Brasil”.
A partir do relato de mais de cem
pessoas, a obra ainda lança luz à vida pessoal de Zózimo, homem com
características sombrias, alcoólatra e torcedor fanático do Flamengo: por
vezes, meteu-se, ele mesmo, em histórias pitorescas, daquelas que poderiam
facilmente estar na coluna que escrevia. Numa delas, tascou uma dentada numa
mulher durante um jogo de futebol no Maracanã, e foi parar na delegacia. Não à
toa, a tragédia associada à comédia perpassava os seus dias, finalizando
(pimba!) no texto jornalístico irreverente.
− Ele acrescentou um humor às
colunas, mas sem perder o senso crítico − frisa Joaquim, que entrevistou Elba
Ramalho para esclarecer o causo envolvendo o tal “pipou”: − Ela disse que
estava falando com a empregada, que não entendia inglês. Mas nem ligou para a
nota...
Casos marcantes
Ficção e realidade:
Flamenguista fanático, Zózimo arrumou
um atrito com Zico depois de atribuir o fracasso do time ao fato de o jogador
ter bebido oito garrafas de cerveja às vésperas de uma partida.
Sem perder a piada:
Um dos maiores objetivos de Zózimo
era arrancar sorrisos dos leitores. A nota anunciando o namoro de Suzy Rêgo e
Paulo César Grande fez graça e repercutiu. “Não se aconselha que os dois juntem
os sobrenomes”, escreveu ele.
Crônicas geniais:
Zózimo era um frasista nato. Algumas
de suas máximas fazem sucesso até hoje − e são atualíssimas. “O problema de
Brasília é o tráfico de influência, enquanto o do Rio é a influência do
tráfico”, refletiu, numa de suas tantas notas.
Ao noticiar um empurrão sofrido pelo então
ministro do exército Lyra Tavares numa cerimônia militar, foi convidado a
passar uns dias na prisão. Diz a lenda que ao chegar na cela começou a ser
encarado sob olhos incrédulos de outros detentos que perguntaram: “Você não é o
Zózimo, colunista do JB?” “Sou eu mesmo” respondeu. Depois de um rápido
silêncio, uma gargalhada geral e a conclusão dos colegas: “Os militares
endoidaram de vez. Estão prendendo até eles mesmos”.
Por exemplo, quando noticiou o fato
da atriz Sônia Braga ter ficado de cócoras num discurso presidencial: “No
cinema: É um pássaro? É um avião? Não, é o Super-Homem. No Planalto: É uma
penosa? É uma enceradeira? Não, é a Sônia Braga.”
Esta outra,
Zózimo relatou em sua coluna:
O amigo,
cambaleante, saiu do Antonion´s e, amparado por Carlinhos Oliveira, sugeriu:
− Vamos tomar um táxi?
E Carlinhos:− É melhor não. Não convém misturar.
Frases geniais
O real está
precisando urgentemente de um exame de DNA.
Brega é perguntar o que é chique. Chique é não responder.
Quem pensa em dinheiro não ganha dinheiro.
Hoje quase não há mais famílias, só pessoas jurídicas.
Novo-rico me incomoda muito, mas novíssimo-riquíssimo me
incomoda muitíssimo mais ainda.
O Nordeste bota turista pelo ladrão. O Rio bota ladrão para
turista.
Viver bem é você ter um tipo de
pretensão do tamanho do seu bolso − mesmo com o risco de ficar a um passo da
inadimplência.
O problema de Brasília é o tráfico de influência. O do Rio é
a influência do tráfico.
Depois de uma certa idade, o homem da cintura para cima é
poesia; da cintura para baixo, prosa.
Epitáfio de um hipocondríaco: “Eu não disse?”
Quem pensa em dinheiro não ganha dinheiro.
Viver bem é você ter um tipo de
pretensão do tamanho do seu bolso − mesmo com o risco de ficar a um passo da
inadimplência.
A morte
Depois de várias internações, já livre da bebida e do cigarro, entre idas e vindas de Miami, uma forte dor de cabeça prenunciou uma metástase. Sem perder o humor, Zózimo se preocupou apenas em não preocupar os que o amavam. Num de seus últimos momentos de lucidez reservou todo seu talento à Dorita, sua segunda esposa e companheira inseparável naqueles sofridos dias. Registrou com competência e elegância seu último ato de amor: “Não sofra. Está ruim viver. Não me segure aqui. Boa viagem”.
Laconicamente, com todo o poder de
síntese que sempre exerceu com maestria em suas colunas, Zózimo, aos 56 anos,
partia em 18 de novembro de 1997.
Em 2001, devido a identificação do
seu nome com a zona sul da cidade, foi homenageado com a criação de um espaço
no final do calçadão do Leblon, no início da subida da Avenida Niemeyer. No
local uma estátua hiper-realista, reproduzindo Zózimo em tamanho natural,
(1,80m), inspirada na imagem que ele tinha por volta dos seus 40 anos de idade.
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