domingo, 21 de janeiro de 2018

Sinal Fechado



(Dois amigos, com seus carros,
um ao lado do outro num semáforo de uma cidade...)

Composição: Paulinho da Viola


– Olá, como vai?
– Eu vou indo, e você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é, quanto tempo...
– Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.
– Qual, não tem de quê. Eu também só ando a cem.
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí.
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
– Quanto tempo...
– Pois é... Quanto tempo...
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge a lembrança.
– Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir! Vai abrir!
- Por favor, não esqueça...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!

Paulinho da Viola escreveu essa canção na década de 60, mas letra e melodia continuam tão atuais quanto nesta época. Apesar de ser um sambista tradicional, essa música é completamente experimental. Naquele tempo, se interpretava a letra como a dificuldade das pessoas se expressarem no período do AI-5. Hoje, esse clássico da MPB nos fala sobre o encontro de duas pessoas que já foram íntimas, mas não se veem há muito tempo e que, por acaso, se encontram em um sinal fechado.

Para entendê-la, entre na música, coloque-se nela. Você está no trânsito e o sinal fecha. Olha para o lado e vê aquele amigo de colégio que conversava bastante só que, por qualquer motivo, acabou sumindo da sua vida. Quando o vê, a primeira coisa que lhe vem à mente é, “Será que eu falo com ele? Será que ele vai se lembrar de mim?”. Essa convivência forçada com um (des)conhecido que Paulinho da Viola vai mostrar.

Primeiramente, não é uma música fácil de ouvir. Não tem uma melodia agradável e causa desconforto, só que é exatamente o que o autor procura passar, pois é isso que acontece quando você se encontra em uma situação como essa. O que vai marcar a música é a tensão. O jeito que a letra é escrita, reforça a música.

- Olá, como vai?
- Eu vou indo, e você, tudo bem?
- Tudo bem eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro... E você?
- Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo... Quem sabe?
- Quanto tempo...
- Pois é, quanto tempo...

É no final das duas primeiras estrofes que esta a grande sacada da música. Você está falando com aquele (des)conhecido e percebe que o assunto já esta acabando e não se passou nem um minuto! Então você diz: Quanto tempo... como se fosse uma desculpa por não ter mais o que falar. Nessa hora, acontece aquele silêncio que dura segundos, mas na sua cabeça parecem horas. Um silêncio, que só será cortado quando alguém puxar um novo assunto, que vai durar tanto quanto esse.

O que Paulinho faz é colocar o silêncio na música. Sempre que ele fala “Quanto tempo...” a música para, como se a conversa tivesse mesmo acabado, e depois volta com a tensão que a caracteriza. Então volta a conversa:

- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.
- Qual, não tem de quê. Eu também só ando a cem.
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí.
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
- Quanto tempo...
- Pois é... Quanto tempo...

Agora, ambos tentam arranjar desculpas por não se encontrarem e compreendem um ao outro. Na música, note que quando é dita a frase “Oh não tem de quê.”. Nessa hora, ela ganha um tom cordial, ele utiliza um Sol maior para dar uma quebrada no andamento, tirando um pouco da tensão e reforçando a ideia de compreensão que já foi passada pela letra. Um deles fala para se encontrarem qualquer dia desses. Quando é dita essa frase, a tensão da música volta com uma levada menos tensa do que normalmente é, mostrando que os dois pretendem se encontrar, mas o “Quanto tempo” volta a aparecer, e a tensão volta, o que da a entender que esse encontro não vai acontecer.

A última estrofe diz:

- Tanta coisa que eu tinha a dizer, as eu sumi na poeira das ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, as me foge a lembrança.
- Por favor, telefone, eu preciso beber alguma coisa, rapidamente...
- Pra semana...
- O sinal...
- Eu procuro você...
- Vai abrir... Vai abrir
- Por favor, não esqueça, não esqueça...
- Adeus!
- Adeus!

Para finalizar, um deles tenta a reaproximação verdadeira dizendo que precisa beber, e pede que lhe telefone, mas ele é rapidamente cortado, pois o sinal está abrindo e está na hora de acabar essa conversa. Ambos prometem não esquecer, mas os dois dizem adeus, que pode significar que nunca mais se encontrarão. Veja que, quando a música está chegando perto do final, a levada dela parece ficar mais rápida, mais acelerada, que reforça a vontade deles de ir logo embora e acabar com esse desconforto que passaram.

Conseguiu entender?

Paulinho da Viola fez essa música, talvez, pensando na falta de liberdade de expressão, mas uma vez que ela é divulgada, cada um pode ter a sua interpretação. Nessa música, ele tirou um pouco da característica de samba que marca toda a sua carreira para dar um tom mais clássico. Com ela, Paulinho venceu o “V Festival da Música Popular Brasileira”, em 1969, no Teatro Record, de São Paulo.

A TV Record realizou quatro edições do Festival da Música Popular Brasileira (FMPB), organizado por Solano Ribeiro, de 1966 a 1969.

(Do Blog Canto da Web)


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