1936-1977
“A Deusa da fossa”
A única vez que vi Maysa ao vivo, foi
no começo dos anos 60 no Programa Mauricio Sobrinho, da Rádio Gaúcha, que era
apresentado todos os domingos, no Cinema Castelo (3.500 lugares), na Avenida Azenha,
em Porto Alegre ,
das 10 ao meio-dia.
O apresentador, que era o César de
Alencar ou o Paulo Gracindo do Sul, Maurício Sobrinho, com seu estilo
brincalhão e comunicativo, tentou interagir com a cantora, que estava visivelmente
irritada, sonolenta e deslocada daquele contexto: multidão e programa matinal.
Ele deveria saber que Maysa era uma
cantora intimista, notívaga e de pouco público. Ela era imensamente emocional e
só cantava movida a muito álcool.
As luzes feéricas do palco, a gritaria
das famosas “macacas de auditório” fez com ela se apresentasse de forma
medíocre. Eu tinha quinze anos, mas entendi logo que aquele lugar, naquela
hora, não era ideal para a sua apresentação.
Maysa é para ser ouvida em CD,
tomando alguma coisa, sacando as letras dor-de-cotovelo.
Viveu seus amores intensamente, bebeu
intensamente e morreu, indo para alguma praia do litoral norte do Rio de
Janeiro, sabe-se lá em que condições, à procura do seu paraíso terrestre que
nunca encontrou em vida.
Nilo da Silva Moraes
As letras de Maysa
Ouça
Ouça,
vá viver a sua vida com outro alguém.
Hoje eu já cansei de pra você
não ser não ser ninguém.
O passado não foi o bastante
pra lhe convencer
que o futuro seria bem grande
só eu e você.
Quando a lembrança
com você for morar,
e bem baixinho de saudade você chorar,
vai lembrar que um dia existiu,
um alguém que só carinho pediu,
e você fez questão de não dar,
fez questão de negar.
Meu mudo caiu*
Meu mundo caiu,
e me fez ficar assim.
Você conseguiu,
e agora diz que tem pena de mim.
Não sei se explico bem,
eu nada pedi.
Nem a você nem a ninguém,
não fui eu que caí.
Sei que você me entendeu,
sei também que não vai se importar,
se o mundo caiu,
eu que aprenda a levantar.
* Dizem que ela fez essa música para o ex-marido, André
Matarazzo, ao se separar dele...
O dia em
que Maysa aprontou para Ronaldo Bôscoli
A capacidade
que a Maysa tinha para passar trotes me fascinava. Eu a acompanhava neles. E me
divertia muitíssimo com as brincadeiras.
Certa vez,
para minha desgraça, ela armou um trote para mim.
Já fazia algum tempo que eu estava
separado de Maysa, quando veio ao Brasil uma amiga de minha irmã Lila, Maria
Eugênia Ouro Preto, agora Mimi D`Arcange, condessa do condado de Arcange. Era
um arraso de mulher, elegantésima (sic), charmosérrima (sic). Tinha sido modelo
da Channel. E aqui no Rio ela aparecia em tudo quanto é coluna social.
Eu e Mimi nos apaixonamos e vivemos
uma breve, mas intensa, história de amor. Ela queria conhecer Cabo Frio, eu a
levei ara lá onde passamos um tempo (depois, obviamente, ela voltou pra Europa
e pro seu condado). Naturalmente, a imprensa a descobriu em Cabo Frio e fez uma
matéria. O jornalista percebeu que estávamos juntos e me entrevistou. Eu, na
intensidade da nova paixão, fui espirituoso.
- Troquei uma condessa de
araque por uma condessa de verdade.
A condessa de araque era Maysa.
Maysa, principalmente no tempo em que esteve na Argentina, era chamada, por
conta da família Matarazzo, de “la condessa cantante”. Ela detestava que a
chamassem de condessa Matarazzo, mas à vezes a imprensa se referia a ela assim.
Eu a chamava de condessa de araque.
Maysa deve ter lido a matéria no
jornal e esperou um tempo. O tempo devido para me pegar.
Uma noite, por volta da uma da
madrugada, estávamos eu e Miéle na Fiorentina. Numa merda de dar gosto. Os shows do Beco davam fama e prestígio,
dinheiro nunca. Estávamos tomando uma canja a duas colheres: a tigela no meio e
cada um metia a colher de um lado.
O garçom vem me chamar:
- Seu Ronaldo Bôscoli,
Maysa no telefone, de São Paulo.
Fiquei espantadíssimo. Pô, há quanto
tempo que eu não falava com Maysa!
No telefone, Maysa foi aquela
maravilha. Ela me cantou, me seduziu. A voz inteirinha, ela realmente parecia
estar de bem sóbria. Cheia de clichês, saiu falando que eu era a paixão da vida
dela etc.
- Ronaldo, eu quero muito
que você e Miéle façam meu último show
no Brasil.
Ela ia morar na Espanha.
- Grana não é problema.
Não era problema pra ela. Pra mim...
Resultado: Maysa me convenceu a fazer
o último show, num esquema fabuloso
em clubes, televisão. Grana rolando solta. Miéle ficou meio hesitante, mas ela
falou com ele e também o convenceu. Não foi difícil porque estávamos muito
ferrados. Aí eu disse:
- Então tá, amanhã eu ligo,
agente acerta tudo.
- Não, não, agora. Vem pra
cá, agora.
Pra São Paulo, imagina! Maysa falou
como se fosse aqui do lado.
- Pega um táxi e vem. Eu
pago. Faz parte da produção, não se preocupe.
Eu e Miéle, naquela perspectiva de
grana, fomos mesmo. Na hora. Convencemos um motorista de táxi, que ficou meio
cabreiro, mas acabou indo, passamos em casa, pegamos nossa “bagagem” e nos
mandamos. No meio do caminho, furou o pneu do carro. Aí foi brabo, porque demos
o último (e pouco) dinheiro que tínhamos pro conserto. Ficamos completamente
lisos.
Mas eu estava tão confiante que não
raciocinava sobre a loucura da viagem. Eu ia contando minhas bravatas com a
Maysa pro Miéle, o motorista ouvia e ria, meio desconfiado.
- Esse cara todo ferrado aí
com a maysa? Tá querendo me enrolar!
Era difícil mesmo de acreditar. A
Maysa tinha fama nacional e internacional nessa época.
Mas, enfim, chegamos. Tocamos a
campainha. Maysa não estava. Deixou apenas um bilhete:
Ronaldo,
A condessa de araque partiu pra sempre.
Tchau!
A condessa de araque partiu pra sempre.
Tchau!
Maysa
(Do livro “Elas e Eu
– Memórias de Ronaldo Bôscoli”,
de Luiz Carlos Maciel e Ângela Chaves)
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