Carlos Heitor Cony
Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito.
Na hora do recreio ficava afastado dos colegas,
como se estivesse procurando alguma coisa.
como se estivesse procurando alguma coisa.
Todos os outros meninos zombavam dele,
por causa das suas meias vermelhas.
por causa das suas meias vermelhas.
Um dia, o cercaram e lhe perguntaram
por que ele só usava meias vermelhas.
por que ele só usava meias vermelhas.
Ele falou, com simplicidade:
“No ano passado, quando fiz aniversário,
minha mãe me levou ao circo.
minha mãe me levou ao circo.
Colocou em mim essas meias vermelhas.
Eu reclamei. Comecei a chorar.
Eu reclamei. Comecei a chorar.
Disse que todo mundo iria rir de mim,
por causa das meias vermelhas.
por causa das meias vermelhas.
Mas ela disse que tinha um motivo muito forte
para me colocar as meias vermelhas.
para me colocar as meias vermelhas.
Disse que se eu me perdesse,
bastaria ela olhar para o chão
e quando visse um menino de meias vermelhas,
e quando visse um menino de meias vermelhas,
saberia que o filho era dela.”
“Ora”, disseram os garotos. “Mas
você não está num circo.
Por que não tira essas meias
vermelhas e as joga fora?”
O menino das meias vermelhas
olhou para os próprios pés,
talvez para disfarçar o olhar
lacrimoso e explicou:
“É que a minha mãe abandonou
nossa casa e foi embora.
Por isso, eu continuo usando
essas meias vermelhas.
Quando ela passar por mim, em
qualquer lugar em que eu esteja,
ela vai me encontrar e me levará
com ela.”
Muitas almas existem, na Terra,
solitárias e tristes,
chorando um amor que se foi.
chorando um amor que se foi.
Colocam meias vermelhas,
na expectativa de que alguém as identifique,
na expectativa de que alguém as identifique,
em meio à multidão, e as leve
para a intimidade do próprio coração.
São crianças, cujos pais as
deixaram, um dia, em braços alheios,
enquanto eles mesmos se lançaram
à procura de tesouros,
nem sempre reais.
nem sempre reais.
Lesadas em sua afetividade,
vivem cada dia à espera do retorno dos amores,
vivem cada dia à espera do retorno dos amores,
ou de alguém que lhes chegue e as
aconchegue.
Têm sede de carinho e fome de
afeto.
Trazem o olhar triste de quem se
encontra sozinho e anseia por ternura.
São idosos recolhidos a lares e
asilos, às dezenas.
Ficam sentados em suas cadeiras,
tomando sol, as pernas estendidas,
aguardando que alguém identifique
as meias vermelhas.
Aguardam gestos de carinho,
atenções pequenas.
Marcam no calendário, para não se
perderem, a data da próxima visita,
do aniversário, da festividade
especial. Aguardam...
São homens e mulheres que se
levantam todos os dias, saem de casa,
andam pelas ruas, sempre à
esperta de alguém que partiu, retorne.
Que o filho que tomou o rumo do
mundo e não mais escreveu,
nem deu notícia alguma, volte ao
lar.
São namorados, noivos, esposos
que viram o outro sair de casa,
um dia, esperam o retorno.
Almas solitárias. Lesadas na
afetividade. Carentes.
Pense nisso!
O amor, sem dúvida, é lei da vida.
Pense nisso!
O amor, sem dúvida, é lei da vida.
Ninguém no mundo pode medir a resistência
de um coração
quando abandonado por outro.
quando abandonado por outro.
E nem podem aquilatar da
qualidade das reações que virão daqueles
que emurchecem aos poucos, na dor
da afeição incompreendida.
Todos devemos respeito uns aos
outros.
Somos responsáveis pelos que
cativamos ou nos confiam seus corações.
Se alguém estiver usando meias
vermelhas, por nossa causa,
pensemos se esse não é o momento
de recompor
o que se encontra destroçado,
o que se encontra destroçado,
trabalhando a terra do nosso coração.
A maior de todas as artes é a
arte de viver juntos.
*****
Carlos Heitor Cony
Nenhum comentário:
Postar um comentário