Por Urbano Duarte de Oliveira*
Neste
mundo há muita gente finória, sagaz e manhosa; porém, não creio que ninguém
leve vantagem neste ponto ao campônio dos sertões de Minas. O tabaréu mineiro,
com os seus ares simplórios e ingênuos, é uma criatura capaz de engazopar até
o Fígaro de Beaumarchais.
Ele,
porém, é inimbrulhável, invencível em finura, e quem se meter a embahilo
com ardis e ciladas, pode contar com o arrependimento.
Note-se
que o matuto de Minas é homem honrado e cumpridor da sua palavra, quando trata
com gente que faz o mesmo. Porém, desde que desconfie do cristão, ai meu
Deus! Quebra o corpo manhosamente e põe-se em guarda, como quem diz aos seus
botões: Então vosmecê está coidando que eu sou algum pateta?
O
seu semblante nada demonstra; continua a sorrir com ares inocentes, pitando o
seu cigarro. E a cada léria ou balela que o outro pretende impingir-lhe, o
matuto responde com um gesto de hipócrita credulidade:
− Apois,
hein? Ora veja vosmecê!
Quando
se pensa que o roceiro está cantado, ele sai-se com uma refinada astúcia,
lenta e maduramente combinada, que nos deixa de orelha em pé e queixo caído.
Lembro-me de uma
partida que se deu com um caipira lá para as bandas de Paracatu.
Como
todo mineiro da gema, este não era lá muito amigo dos progressos e não gostava
da estrada de ferro.
Tendo-se
construído uma ferrovia em sua província, o homem torceu-lhe o nariz e
protestou jamais embarcar em semelhante trapizonga. E durante muitos anos
continuou a viajar no seu burrico, pelas suas estradinhas, fazendo o meio dia
para comer á beira d’água o seu tutu com torresmos, armando a rede em dois
pés de árvores, quentando fogo e contando anedotas do tempo de quorenta e
dois.
O
agente de uma estação férrea procurava seduzi-lo e catequizá-lo,
demonstrando-lhe em como a viagem pelo trem era mais rápida, barata e cômoda.
Porém, o matuto
não se convencia.
Um
dia, contudo, tem urgência de chegar a certa cidade e vê que a cavalo não o
poderia fazer. Vai à estação e pergunta quanto custa o bilhete. O agente regojiza-se.
− Ora, até
que afinal convenceu-se, hein?
− Não,
senhor; eu quero saber quanto custa o bilhete para um burro...
− Para um
burro?!
− Sim, seu
compadre.
O agente
consulta a tabela e diz:
− Treze mil
e trezentos.
− Então,
dê-me um.
Vendido
o bilhete, o muar foi metido dentro do vagão próprio, e o dono também entrou,
na ocasião em que o comboio se punha em movimento.
− Então −
grita o agente − o senhor não salta?
− Não,
senhor, eu também vou.
− Como
assim? Não comprou bilhete!
O
matuto meteu o pé no estribo, montou no animal e gritou muito ancho, quando o
carro já saía fora da estação.
− Eu vou a
cavalo!
*****
Notas biográficas
*Urbano Duarte de Oliveira (Lençóis, BA, 31/12/1855 − Rio de Janeiro, 10/02/1902)
O
major Urbano Duarte de Oliveira cursou a Escola Militar e foi professor da Escola de
Tática. Jornalista e publicista, criticou, como Joaquim José da França Júnior,
os costumes sestros e tipos da sociedade fluminense: o cronista foi um fino
observador e contou o que observou com bastante naturalidade e chiste. E
também, como França Júnior, foi autor dramático.
Urbano Duarte
pertenceu à Academia Brasileira de Letras, cadeira França Júnior.
(Em Eugênio Werneck. Antologia brasileira;
coletânea em prosa e verso de escritores nacionais. 15ª edição, Rio de
Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1932)
Nenhum comentário:
Postar um comentário