domingo, 10 de dezembro de 2017

O anel de brilhante



Reinaldo Zangrandi (...) contava que, certa vez, estava saindo de seu escritório, olhou para a calçada e viu um anel de brilhante no chão. Quando ia pegar o anel, um cara se aproximou e disse:

− Opa, eu vi também. Então o anel é dos dois, o anel é nosso.

O Reinaldo percebeu na hora o cheiro de conto do vigário e deu papo pro sujeito.

− É verdade, ele é nosso. Como é que vamos fazer?

O “sócio” propôs:

− Ah, vamos vender o anel, a gente racha o dinheiro.

O Reinaldo:

− Mas quanto será que vale esse anel?

O “sócio”:

− Não sei, a gente tem que achar alguém que entenda pra avaliar.

Aí, o “sócio” do anel aponta para um sujeito encostado num poste, lendo jornal, e diz:

− Vamos perguntar praquele cavalheiro ali. Ele parece bem distinto e tem cara de quem entende de joias preciosas.

Os dois vão até o “cavalheiro” que está de terno cinza e colete, com um cravo na lapela. O “sócio” do Reinaldo fala:

− Perdão por atrapalhar a leitura do seu periódico, cavalheiro, mas, por acaso, o senhor entende de joias?

O “cavalheiro” interrompe a leitura, olha bem para os dois, e responde:

− Um pouco.

O “sócio”, rapidamente:

− Puxa, que extraordinária coincidência! Achamos a pessoa certa! Será que o senhor poderia, por favor, fazer a fineza de nos dizer quanto valeria, aproximadamente, um anel de brilhante como este?

O “cavalheiro” dobra o jornal, coloca no bolso do paletó, e tira do bolsinho do colete uma lente de joalheiro. Prende a lente no olho, numa postura superprofissional, pega o anel, examina cuidadosamente e devolve na mão do “sócio”, dizendo, emocionado:

− Meu Deus! É um diamante valiosíssimo! Em trinta anos como joalheiro nunca vi uma pedra tão perfeita! Lapidação Amsterdam de várias facetas! É difícil dar um preço assim, na rua, sem olhar as cotações internacionais, mas eu garanto que isso vale pelo menos centenas de milhares de dólares!

O “sócio”, com a maior cara de espanto:

− Puxa, que sorte a nossa! Encontrar logo um joalheiro! Muito obrigado pela sua atenção!

− Sempre às ordens.

O “cavalheiro” retoma a leitura do seu vespertino. O “sócio” volta-se para o Reinaldo e pergunta:

− E agora, o que é que a gente faz?

O Reinaldo responde:

− Ué, a gente tem que dividir isso, vamos vender e dividir.

Nesse momento, o “sócio” faz uma cara de desconsolo e diz:

− Infelizmente não vai dar porque... imagine o senhor, que falta de sorte a minha. Nós encontramos uma joia caríssima como esta e, no entanto, eu tenho que ir pro interior de São Paulo. A minha mãe está muito doente e eu tenho que pegar o trem agora, então, infelizmente eu não vou poder ficar para vendê-lo junto com o senhor. Vamos fazer o seguinte? O senhor fica com o anel todo, e me dá o que o senhor puder dar pela minha parte... paciência... quanto é que o senhor tem aí no bolso?

O Reinaldo:

− Eu tenho uns 500 mil cruzeiros. (A moeda da época era o cruzeiro.)

O “sócio”, com a cara de arrasado:

− Bom, paciência. Então tá bom. O senhor me dá os 500 mil e fica com o anel todo. Eu levo esse prejuízo, não tenho como resolver de outra maneira agora, estou com muita pressa. Tadinha da minha mãe...

Reinaldo:

− Por mim, tudo certo.

Bota a mão no bolso, pega os 500 mil cruzeiros e, quando vai entregar ao “sócio”, fala:

− Não... Espera um instante. Quanto é que você tem no bolso?

O “sócio”, ressabiado, responde:

− Eu? Só tenho uns cem cruzeiros. Fora o dinheiro da passagem...

E o Reinaldo, rapidinho:

− Fiquei com pena de você. Faça o seguinte: me dá os cem cruzeiros e fica com o anel pra você. Você precisa mais do que eu. Depois, você pode vender pra ajudar no tratamento da sua mãe.

Pausa.

O “sócio”, furioso, olha para ele, não diz nada, guarda o anel no bolso e vai se retirando. Passa pelo “cavalheiro”, que retomou sua leitura encostado no poste, e diz:

− Vamos embora que este cara aí tá a fim de sacanear. O filho da puta não respeita nem quem está trabalhando.

*****

(Texto do livro “O Livro de Jô”, de Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.)*

*A leitura desse livro é fundamental para entender a formação artística de um dos maiores humoristas do teatro e TV no Brasil.

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