Reinaldo Zangrandi (...) contava que,
certa vez, estava saindo de seu escritório, olhou para a calçada e viu um anel
de brilhante no chão. Quando ia pegar o anel, um cara se aproximou e disse:
− Opa, eu vi
também. Então o anel é dos dois, o anel é nosso.
O Reinaldo
percebeu na hora o cheiro de conto do vigário e deu papo pro sujeito.
− É verdade,
ele é nosso. Como é que vamos fazer?
O “sócio”
propôs:
− Ah, vamos
vender o anel, a gente racha o dinheiro.
O Reinaldo:
− Mas quanto
será que vale esse anel?
O “sócio”:
− Não sei, a
gente tem que achar alguém que entenda pra avaliar.
Aí, o
“sócio” do anel aponta para um sujeito encostado num poste, lendo jornal, e
diz:
− Vamos perguntar praquele cavalheiro
ali. Ele parece bem distinto e tem cara de quem entende de joias preciosas.
Os dois vão até o “cavalheiro” que está de
terno cinza e colete, com um cravo na lapela. O “sócio” do Reinaldo fala:
− Perdão por atrapalhar a leitura do
seu periódico, cavalheiro, mas, por acaso, o senhor entende de joias?
O “cavalheiro” interrompe a leitura,
olha bem para os dois, e responde:
− Um pouco.
O “sócio”, rapidamente:
− Puxa, que extraordinária
coincidência! Achamos a pessoa certa! Será que o senhor poderia, por favor,
fazer a fineza de nos dizer quanto valeria, aproximadamente, um anel de
brilhante como este?
O “cavalheiro” dobra o jornal, coloca
no bolso do paletó, e tira do bolsinho do colete uma lente de joalheiro. Prende
a lente no olho, numa postura superprofissional, pega o anel, examina
cuidadosamente e devolve na mão do “sócio”, dizendo, emocionado:
− Meu Deus! É um diamante
valiosíssimo! Em trinta anos como joalheiro nunca vi uma pedra tão perfeita!
Lapidação Amsterdam de várias facetas! É difícil dar um preço assim, na rua,
sem olhar as cotações internacionais, mas eu garanto que isso vale pelo menos
centenas de milhares de dólares!
O “sócio”, com a maior cara de
espanto:
− Puxa, que sorte a nossa! Encontrar
logo um joalheiro! Muito obrigado pela sua atenção!
− Sempre às ordens.
O “cavalheiro” retoma a leitura do
seu vespertino. O “sócio” volta-se para o Reinaldo e pergunta:
− E agora, o que é que a gente faz?
O Reinaldo responde:
− Ué, a gente tem que dividir isso,
vamos vender e dividir.
Nesse momento, o “sócio” faz uma cara
de desconsolo e diz:
− Infelizmente não vai dar porque...
imagine o senhor, que falta de sorte a minha. Nós encontramos uma joia
caríssima como esta e, no entanto, eu tenho que ir pro interior de São Paulo. A
minha mãe está muito doente e eu tenho que pegar o trem agora, então,
infelizmente eu não vou poder ficar para vendê-lo junto com o senhor. Vamos
fazer o seguinte? O senhor fica com o anel todo, e me dá o que o senhor puder
dar pela minha parte... paciência... quanto é que o senhor tem aí no bolso?
O Reinaldo:
− Eu tenho uns 500 mil cruzeiros. (A
moeda da época era o cruzeiro.)
O “sócio”, com a cara de arrasado:
− Bom, paciência. Então tá bom. O
senhor me dá os 500 mil e fica com o anel todo. Eu levo esse prejuízo, não
tenho como resolver de outra maneira agora, estou com muita pressa. Tadinha da
minha mãe...
Reinaldo:
− Por mim, tudo certo.
Bota a mão no bolso, pega os 500 mil
cruzeiros e, quando vai entregar ao “sócio”, fala:
− Não... Espera um instante. Quanto
é que você tem no bolso?
O “sócio”, ressabiado, responde:
− Eu? Só tenho uns cem cruzeiros.
Fora o dinheiro da passagem...
E o Reinaldo, rapidinho:
− Fiquei com pena de você. Faça o seguinte: me dá os cem cruzeiros e
fica com o anel pra você. Você precisa mais do que eu. Depois, você pode vender
pra ajudar no tratamento da sua mãe.
Pausa.
O “sócio”, furioso, olha para ele,
não diz nada, guarda o anel no bolso e vai se retirando. Passa pelo
“cavalheiro”, que retomou sua leitura encostado no poste, e diz:
− Vamos embora que este cara aí tá a
fim de sacanear. O filho da puta não respeita nem quem está trabalhando.
*****
(Texto do livro “O
Livro de Jô”, de Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.)*
*A leitura desse livro é fundamental para entender a formação artística de um dos maiores humoristas do teatro e TV no Brasil.
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