sábado, 23 de dezembro de 2017

Incidente no Beco do Mijo



Na foto acima, no meio da quadra, lado direito, o começo do Beco do Leite, chamado pelo povo de Beco do Mijo, na rua Andrade Neves. Na foto abaixo, na Rua da Praia, assinalado pela seta, o final (ou começo) do Beco do leite.


Assim era o Beco do Leite, que foi engolido pelo portal de entrada do prédio da Energia Elétrica. Ele já passou e ainda terá de passar por este desenho da rua.

Era um corredor com um bueiro central, que recolhia as águas fétidas dos despejos de algumas casinholas que por ali se alinhavam, moradias de lavadeiras e engomadeiras. Sentido de longe pela mistura de cheiros, de carvão queimado e de urina. Não era por menos que também o chamassem – desculpem, mas é verdade – de “Beco do Mijo”. Traço de ligação entre os fundos dos “Caçadores” e a Rua da Praia, ali lavavam roupas e engomavam colarinhos a tostão. Reduto do “jogo do bicho” e escoadouro dos últimos retirantes do célebre cabaré, pela madrugada.

Sou tentado a relatar – e não sei ainda se o faço – um episódio pitoresco ocorrido com um conhecido médico boêmio, naquela local. Mas vá lá, que não devo ter reservas para com meus leitores.

Estava o notívago encostado à parede, quando foi surpreendido pelo “Trinta e Cinco”, ordenança do delgado Louzadinha. No chão extensa poça escorria pelo passeio, denunciando a transgressão das posturas municipais. O policial flagrou o descuidado boêmio e conduziu-o à delegacia, sob os protestos deste, alegando que o molhado já estava lá, não era dele. Mas o “rato branco” não quis saber de nada e levou o preso, que foi custodiado pelos companheiros de noitada, aflitos em ver como ele se sairia daquela. Na delegacia, Louzadinha charutão na boca, a cartola sobre a escrivaninha – ouviu o relato e perguntou ao acusado o que tinha a alegar em sua defesa.

− “A prova de que não fui eu, senhor delegado, é que, com vossa licença, vou agora mesmo esvaziar a bexiga, pois até que estou necessitado”.

Assim o fez e abundantemente, às vistas do Louzadinha e do atônito policial. O “Trinta e Cinco” baixou a cabeça ante a evidência da prova e pelas reprimendas do delegado, por haver preso a um moço tão distinto. E a este mandou em paz, com as devidas desculpas pelo engano. À saída, o jovem médico, e depois famoso jornalista, comentou para os amigos:

− Vejam vocês o quanto vale uma cistite*...

(Do livro “Rua da Praia”, de Nilo Ruschel)

*Cistite o termo para descrever uma inflamação na bexiga. Muitas vezes a cistite confundida com uma infecção urinária, no entanto ela não é sinônimo de infecção urinária.


Nenhum comentário:

Postar um comentário