Assassinato ou suicídio?
Getúlio Vargas,
morto, com o furo da bala em seu peito.
A morte de Getúlio Vargas continua
despertando interesse e polêmica. Volta e meia, alguém me pergunta se o
presidente se matou ou foi assassinado. Tudo aconteceu em 24 de agosto de 1954,
há exatos 56 anos. A teoria do assassinato sempre teve defensores. Nunca
encontrou, no entanto, evidências. Apaixona. Vargas tinha muitos inimigos.
Estava no meio de um “mar de lama”. Mas, dificilmente, poderia ser assassinado
em seu quarto, no Palácio do Catete, cercado de amigos, familiares e
seguranças, ao final de uma noite histórica na qual aceitara pedir um
afastamento temporário do governo. As teorias conspiratórias sempre fascinam.
Em meu livro "Getúlio", esse fantasma está presente. Falando nisso,
se me permitem a gabolice, meu "Getúlio" vai sair no Japão, com
tradução de Hamaoka, um apaixonado pelo Brasil.
Quando reescrevi esta passagem de
“Getúlio”, no Rio de Janeiro, numa madrugada de Carnaval, fui às lágrimas:
- Um tiro! - exclama Barbosa.
- Foi aqui?, pergunta o major Hélio Dornelles.
- Foi.
- Alzira, seu pai, grita
uma voz quase estranha, talvez pelo pânico, sacudindo, pelos ombros a filha de
Vargas.
Precipitam-se todos para o quarto.
Estendido na cama, braços abertos, uma perna para fora do leito, Getúlio
agoniza. Dornelles é um dos primeiros a vê-lo assim. Quando Alzira entra,
Getúlio ainda lhe sorri, enquanto o sangue que salta do orifício no pijama de
listras inunda-lhe a blusa. A filha repete como um autômato: “Não pode ser, não
pode ser, tu me prometeste”. Adalgisa chega com Dona Darcy e ainda sente os
últimos espasmos do corpo. Getúlio busca, com os olhos congestionados, o rosto
de Darcy. Caiado de Castro irrompe e desmaia. Horas depois, dirá: “Getúlio
Vargas morreu de um coice de Bejo Vargas”. Amaral Peixoto socorre a sua mulher.
Lutero, acordado por Zarattini, em prantos, examina o corpo do pai, toma-lhe o
pulso, pede ao doutor Flávio que ausculte o moribundo. Acabou.
Guilherme Arinos olha para o cadáver
e sente a pior dor da sua vida, a dor da perda do homem que lhe mudara para
sempre a vida. Lá fora, a multidão já reza. Arísio Viana, diretor do Dasp e
amigo de Getúlio, grita que não podiam ter deixado o presidente sozinho.
Depois, prático, começa a tirar-lhe o pijama. Chegam o médico e os legistas.
Lutero quer uma autópsia. Toca o telefone na Redação da Última Hora. Luís
Costa, titular da coluna “O Dia do Presidente”, berra para um Samuel Wainer
repentinamente incapaz de ouvir bem: “O presidente acaba de se dar um tiro no
coração”. O Profeta corre à oficina do jornal, recupera a página composta do
dia anterior e prepara uma “cartola”, um simples “chapéu” para o título da
edição morta: “Ele cumpriu a promessa - Só morto sairei do
Catete”. Depois, senta-se e chora convulsivamente. A Tribuna da Imprensa preferiu
um quase discreto e neutro “Suicidou-se Getúlio Vargas”.
Contei essa história a um amigo de
esquerda. Ele me gozou: “Você chorou por um ex-ditador”, disse. Que coisa!”
Juremir Machado da
Silva
Correio do Povo de 24
de agosto de 2010.
“cartola” – “chapéu”
gíria jornalística para títulos de última hora para a edição de um jornal.
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