Nestes tempos modernos, em que parte
dos torcedores da dupla Gre-Nal parece envolvida com entusiasmo em uma disputa
incansável para ver quem diminui mais os feitos do lado rival, seja a
construção ou reforma de um estádio, a contratação ou venda de um jogador, as
campanhas e os títulos, costumo lembrar – com uma inevitável ponta de nostalgia
– daquele junho de 1972.
No foto acima, da esquerda para a
direita, em pé: Espinosa (G), Schneider (I), Figueroa (I), Ancheta (G), Everaldo (G) e Carbone (I);
agachados, na mesma ordem: Valdomiro (I), Tovar (I), Claudiomiro (I), Oberti (G) e Torino (G).
* (G) jogador do Grêmio e (I) jogador do Internacional.
* (G) jogador do Grêmio e (I) jogador do Internacional.
Foi um dos raros momentos na história
de mais de cem anos da rivalidade que as duas torcidas se uniram em torno de
uma causa – e tudo porque um dos jogadores gaúchos, o lateral-esquerdo
Everaldo, do Grêmio, foi o único dos tricampeões mundiais de 1970 não convocado
por Zagallo para a Seleção Brasileira que disputaria e ganharia a Minicopa,
pelos 150 anos da Independência do país, apenas 22 dias depois. Não houve
vermelho nem azul naquele momento. Os mais jovens, que vivem esta época de
rivalidade acirrada ainda mais pelas redes sociais, talvez tenham dificuldades
de entender o que houve, mas a verdade é que as torcidas se uniram em um
protesto único. Estavam inconformadas pela injustiça, encararam a decisão de
Zagallo como um menosprezo ao futebol gaúcho e a um de seus personagens, e
forçaram os dirigentes a exigir um jogo de desagravo. Com raiva, superlotaram o
Beira-Rio (exatas 106.554 pessoas, recorde absoluto nos estádios gaúchos em
todos os tempos) e assistiram a um dos jogos mais espetaculares que Porto
Alegre já recebeu – aquele empate em 3 a 3 entre as seleções gaúcha e brasileira, em
um dia 17 de junho de 1972, há 45 anos.
Acabo de escrever “um dos mais
espetaculares” e me dou conta de que, para mim, na época um jovem repórter com
dois anos de carreira, nunca mais houve uma partida como aquela, por tudo o que
representou. O ambiente de tensão dos dias que anteriores, a ansiedade, a
corrida ao estádio, a multidão que tomou as vias de acesso, os gritos
entusiasmados, a agitação e os preparativos nas redações, a certeza de que uma
seleção gaúcha restauraria o orgulho ferido. A Seleção Brasileira, que não
tinha nada a ver com tudo aquilo, pagou um duro preço pela insensibilidade do
técnico e pela decisão temerária dos dirigentes da então CBD de aceitar o
desafio para um amistoso naquelas condições. Foi vaiada – e odiada – por um bom
tempo. Não tenho dúvidas de que aquele episódio abalou entre os gaúchos a
imagem da Seleção e reduziu o fascínio que ela sempre representou para os
torcedores. Ao menos, para os daqui.
O Beira-Rio urrava na noite daquele
17 de junho. A Seleção foi vaiada e xingada o tempo todo, mas os torcedores
tinham orgulho especialmente de sua representação, treinada por Aparício Viana
e Silva, misto de cronista esportivo e treinador. O Brasil, por exemplo, tinha
uma zaga formada por Brito e Vantuir. Os gaúchos respondiam com o uruguaio
Ancheta, um dos destaques da Copa do México, e com o chileno Elias Figueroa,
que marcaria época no Inter e no futebol brasileiro. Lembro que parte da
imprensa nacional dizia, com bom humor, que a Seleção teria de nacionalizar
logo aqueles dois e arrumar um jeito de convocá-los para assim resolver as
dificuldades de sua defesa. Na lateral-esquerda, Zagallo escalou Marco Antônio,
que ele próprio afastara da equipe titular no Tri. Entre os gaúchos estava
Everaldo, a razão central para o confronto do desagravo.
Toda aquela tensão explodiu em um
grito único da multidão logo aos dois minutos, quando Carbone fez 1 a 0. Jairzinho empatou aos
oito do segundo, Tovar desempatou para os gaúchos dois minutos depois, Paulo
César Lima, o Caju, voltou a empatar aos 15, Claudiomiro marcou o terceiro para
o Rio Grande do Sul aos 38 e Rivellino definiu tudo aos 40. Pelo tempo dos gols
já dá para ter uma boa ideia sobre o ritmo eletrizante da partida. Uma seleção
respondia logo à ação da outra. Não apenas isso. A cada gol da Seleção, os
jogadores iam até a torcida, batiam no peito, gritavam, xingavam. Rivellino
teve a reação mais forte ao marcar o terceiro, em uma jogada iniciada por Caju
no meio-campo e que só não foi parada porque Aparício instruiu seus jogadores a
evitar certas faltas no segundo tempo, já prevendo o nervosismo e o ambiente de
conflito. Rivellino batia no peito com força, sem esconder a raiva, como se
estivesse – ele e os companheiros que foram abraçá-lo – diante de uma torcida
inimiga e não de brasileiros como eles. No fundo, estavam certos. Naquele dia,
aos olhos dos torcedores gaúchos, corretamente ou não, eles eram inimigos a
serem derrotados. Poucas vezes o regionalismo atingiu níveis como aqueles.
Nos dias atuais, um jogo como aquele
dificilmente seria realizado – ao menos naquele ambiente. Por algumas razões.
Os dirigentes da CBF não aceitariam um desagravo proposto por uma federação,
não há mais traumas ou orgulhos feridos quando um jogador da dupla Gre-Nal não
é convocado (as torcidas até ficam satisfeitas quando seus times não são
desfalcados) e, principalmente, a Seleção Brasileira perdeu muito do charme de
antigamente. Aquele foi um jogo histórico em um raro momento de união em que as
torcidas deixaram o vermelho e o azul de lado. Pegaram uma bandeira única e
foram para o estádio. Quem viu nunca mais esqueceu.
A ficha do grande jogo
Data: 17 de junho de 1972
Local: Estádio Beira-Rio, Porto Alegre
Árbitro: Robert Heliés (França)
Seleção Gaúcha 3
Schneider (Inter); Espinosa
(Grêmio), Ancheta (Grêmio), Figueroa (Inter) e Everaldo (Grêmio); Carbone
(Inter), Tovar (Inter) e Torino (Grêmio); Valdomiro (Inter), Claudiomiro
(Inter) e Oberdi (Grêmio), depois Mazinho (Grêmio).
Técnico: Aparício Viana e Silva
Seleção Brasileira 3
Leão (Palmeiras), depois Sérgio
(São Paulo); Zé Maria (Corinthians), Brito (Botafogo), Vantuir (Atlético-MG) e
Marco Antônio (Fluminense); Clodoaldo (Santos), Piazza (Cruzeiro) e Rivellino
(Corinthians); Jairzinho (Botafogo), Leivinha (Palmeiras) e Paulo César Lima
(Flamengo).
Técnico:Zagallo
(Do blog do Mário
Marcos)
P.S. Eu, Nilo Moraes, também assisti a esse jogo histórico no Beira-Rio.
Quando Carbone fez o primeiro gol, o velho massagista Moura, do Inter, invadiu
o campo e abraçou efusivamente o jogador. Depois, ele explicaria que Carbone
nunca havia feito um gol em partidas, e prometeu que faria um para o
massagista. Este disse que o abraçaria em qualquer circunstância. Foi o que ele
fez..
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