A noite estava escura, céu sem
estrelas. De vez em quando se ouvia o uivo de um lobo bem longe, misturado com
o barulho do vento. As crianças reunidas na tenda do Mestre Benjamin estavam
com medo. Mestre Benjamim sentiu o medo nos seus olhos. Foi então que uma delas
perguntou:
- Mestre
Benjamim, há um jeito de não ter medo? Medo é tão ruim!
Mestre Benjamim respondeu:
- Há sim... E ficou quieto.
Veio então a outra pergunta:
- E qual é esse jeito?
- É muito fácil. É só pensar como as ovelhas pensam...
- Mas como é que vou saber o que as ovelhas estão pensando?
Mestre Benjamim respondeu:
- Quando, durante a noite,
as ovelhas estão deitadas na pastagem, os lobos estão à espreita. E eles uivam.
As ovelhas têm medo. Mas aí, misturado ao uivo dos lobos, elas ouvem a música
mansa de uma flauta. É o pastor que cuida delas e não dorme nunca. Ouvindo a
música da flauta elas pensam:
“Há um pastor que me protege. Ele me
leva aos lugares de grama verde e sabe onde estão as fontes de águas límpidas.
Uma brisa fresca refresca a minha alma. Durante o dia ele me pega no colo e me
conduz por trilhas amenas. Mesmo quando tenho de passar pelo vale escuro da
morte eu não tenho medo. A sua mão e o seu cajado me tranquilizam. Enquanto os
lobos uivam, ele me dá o que comer. Passa óleo perfumado na minha cabeça para
curar minhas feridas. E me dá água fresca para sarar o meu cansaço. Com ele não
terei medo, eternamente...” (Salmo 23, paráfrase)
Mestre Benjamim parou de falar. Os
olhos de todas as crianças estavam nele. Foi então que uma delas levantou a mão
e perguntou:
- E os
lobos? Eles vão embora? Eles morrem?
- Os lobos continuam a
uivar. E continuam a ser perigosos. O pastor não consegue espantar todos eles.
E, por vezes, eles atacam e matam. Mas as ovelhas, ouvindo a música da flauta
do pastor dormem sem medo, não porque não haja mais perigo, mas a despeito do
perigo. Não há jeito de acabar com o perigo. Mas há um jeito de acabar com o
medo. Coragem é isso: dormir sem medo a despeito do perigo...
As crianças voltaram para suas tendas
e dormiram sem medo, pensando nos pensamentos das ovelhas. De vez em quando, lá
fora, ouvia-se o uivo de um lobo faminto. Desde então, tornou-se costume contar
ovelhinhas para dormir.
Texto de Rubem Alves,
do livro:
“Perguntaram-me se
acredito em Deus”
Editora Planeta, 2007
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