terça-feira, 5 de setembro de 2017

O hotel do Guedes



Lauro Guedes tinha nove filhos homens. Sustentava a todos com a renda do Hotel Brasil, de que era proprietário. Situado a uma quadra da Praça XV de Novembro, em São Borja, era praticamente a única hospedaria da cidade nos anos 40. Além dele a pensão de dona Miloca, do seu Gastão Ponsi e mais algumas menos credenciadas.

Seu Guedes, como o chamavam, era o factótum do hotel. De estatura média, ágil de corpo, atendia portaria e cozinha, revisava quartos, fazia o rol das compras do dia e tinha tempo, ainda, para entreter longos papos com seus amigos mais chegados - dentre os quais o doutor Baglioni, o José Motta “da farmácia”, o seu Raymundo “da Prefeitura” e mais alguns. Na portaria de seu hotel apenas uma pequena sala com uma escrivaninha e algumas cadeiras ‒ o mate não parava nunca. Seu Guedes conversava com quantos chegassem, sabia as novidades da capital e de Santa Maria através dos viajantes que se hospedavam e as notícias do interior pela boca dos fazendeiros seus clientes.

Seu hotel, em termos atuais, não mereceria talvez nem mesmo uma estrela. Salvo três ou quatro quartos de casal, os demais comportavam de duas a quatro,camas, além dos aposentos improvisados ‒ no corredor, na sala de refeições ‒ onde colocava colchões quando a lotação normal esgotava. O cardápio era espartano: arroz, feijão, carne frita, às vezes um pedaço de abóbora, batata doce ou aipim. Sobremesa e cafezinho eram luxos.

Os sanitários, por sua vez, não primavam pelo asseio. Tinham o fundamental: o vaso para as necessidades, uma pia, um chuveiro de água fria, fosse no inverno ou verão. Se alguém desejasse banho quente, seu Guedes providenciava um “bacião” de lata e uma chaleira grande de água fervente.

Um viajante novo, que se hospedava pela primeira vez no Hotel Brasil, teve necessidade de usar o sanitário. Fez o que tinha de fazer, veio à portaria e reclamou de seu Guedes:

‒ O senhor não me leve a mal, mas seus banheiros não permitem nem mesmo que se vá aos pés com tranquilidade. Milhares de moscas não deixam a gente nem mesmo abrir a boca.

Seu Guedes nem se perturbou:

- É que o amigo não conhece os segredos do meu hotel. Quando desejar tranqüilidade no sanitário ‒ já vi que o senhor é um homem fino ‒, procure usá-lo na hora do almoço. Não vai encontrar uma única mosca.

- Mas como?

- É que na hora da boia elas se mudam todas para o refeitório.

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Livro “Causos do boi voador”, de Lisiana Bertussi e Paulo Bertussi. Editora da Universidade de Caxias do Sul. 


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