A cada quatro anos, desde 1986, eu
busco na estante dos meus livros prediletos um dos melhores sobre futebol: “Histórias de Sandro Moreyra”. São
registros que mais parecem dribles geniais de Garrincha ou de Pelé tal a forma
como Moreyra trata as palavras que vão formando frases e passagens hilárias do
nosso maior esporte. Uma pena que o livro esteja esgotado e só é encontrado
como "usado, mas em bom estado de conservação", na Internet. Sua
melhor crônica é exatamente a que abre o livro e que narra o comportamento da
torcida Canarinho numa tourada, em Sevilha, durante uma folga da Seleção
Brasileira no Mundial da Espanha, em 1982. Os brasileiros avacalharam o maior
espetáculo popular dos espanhóis (hoje o futebol já está quase com a mesma
popularidade) quando torceram em massa e com coral debochado para o touro. O
toureiro, ao entrar na arena, “ovacionado pelo público local que lhe atirava
flores, leques e mantilhas”, não esperava que um torcedor brasileiro, “como
suprema homenagem, lhe jogasse o pé direito de uma surrada e malcheirosa
conga”. O touro foi recebido “em vigorosos aplausos das arquibancadas repletas
de brasileiros e, quando o picador, no seu cavalo, cravou-lhe uma pontuda lança
fazendo jorrar um sangue grosso e vermelho em seu pelo preto, uma tremenda vaia
explodiu de mistura com gritos compassados de filho da puta e de pilhas de
rádio atiradas em sua direção”. Depois, foi a vez do “moço das bandarilhas, com
suas calças justas e seu bolero dourado que, ao dar aquela corridinha de
bailarino, foi acompanhado com os gritos ritmados de bicha, bicha, bicha”. O
toureiro, “ao som festivo de clarins, caminhando a passos firmes, com sua longa
capa vermelha, cumprindo o ritual, primeiro dirigiu-se à tribuna de honra e,
depois, com a mesma pompa, voltou-se para o público e, em galante reverência, curvou-se
numa saudação fidalga”. Sandro Moreyra registrou assim o minuto seguinte: “Ainda
estava curvado (o toureiro) quando das arquibancadas estourou uma gritaria bem
brasileira, forte e cadenciada: "Um, dois, três, quatro, cinco, mil, eu quero
que o toureiro vá pra puta que o pariu!”. Os espanhóis, boquiabertos, se
interrogavam: “Los tipos son locos?” E termina Moreyra: “... o touro mantinha
um ar embevecido. Jamais, qualquer de seus antepassados recebera tamanha
solidariedade. Comovido, ele olhava cheio de gratidão para os canarinhos
brasileiros. E tão encantado estava que nem viu quando o matador friamente e
com imensa espada matou-o na primeira estocada. Morreu feliz, certamente, por
saber que na alma daqueles canarinhos brasileiros havia piedade por ele e
repulsa por seu carrasco”.
Vexame na Suíça (1)
Em 1954, o Brasil foi eliminado pela
Hungria, na Copa da Suíça, perdendo de 4 x 2. Houve muito tumulto ao final da
partida e, mesmo durante o jogo, com as expulsões de Nilton Santos e Humberto.
Quando terminou, o craque Zibor, ponteiro húngaro, foi cumprimentar Maurinho e
recebeu uma cuspida no rosto. Houve agressões de ambas as partes e o técnico
Zezé Moreira deu com uma chuteira na cabeça do ministro dos Esportes da
Hungria. O jornalista Paulo Planet Buarque derrubou com uma rasteira um bem-comportado
guarda suíço. Mario Vianna, juiz brasileiro da Fifa, disse numa rádio que todos
os juízes da entidade eram "uma cambada de ladrões". Foi expulso da
organização. Mesmo tentando substituir o termo “ladrões” por “fariseus”.
Vexame na Suíça (2)
Sandro Moreyra conta: “Torcedores no Rio de
Janeiro, insuflados contra a Fifa, marcharam para apedrejar a embaixada Suíça,
mas, por um lamentável equívoco, quebraram as vidraças da Embaixada da Suécia.
O Itamaraty apresentou suas desculpas, mas não pagou os vidros quebrados. Tudo
isso aconteceu no dia 19 de junho de 1954. Um dia de cão para o futebol
brasileiro”.
Vexame na Suíça (3)
Jaime de Carvalho, criador da
Charanga Rubro-Negra, acompanhou a Seleção na Suíça. Na estreia do Brasil,
Jaime distribuiu, entre a torcida, os rojões de três tiros com que saudava o
Flamengo no Maracanã. Os suíços não entenderam aqueles tiros potentes no
estádio. “Guardas apitavam, sirenes tocavam e a fumaceira dos foguetes tornava
ainda mais dramática a situação. No dia seguinte, a Fifa enviou à delegação
brasileira um ofício enérgico com uma ameaça terrível: se o Brasil repetir o
bombardeio de ontem, será para sempre eliminado das Copas do Mundo.”
Na Suécia
O rei Gustavo apertava a mão de Didi
na solenidade de entrega da Jules Rimet ao Brasil, que vencera a Copa de 1958.
O fotógrafo Jáder Neves perdeu a foto e pediu: “Mister king, repete o
cumprimento!”. O dentista da Seleção, Mário Trigo, abraçou o rei pela cintura
pedindo que o soberano concordasse: “Diga, ''seu'' king, já viu time mais
porreta?”.
No Vaticano
O time da Portuguesa dos Desportos
(SP) foi recebido pelo Papa, no final dos anos 50. Toda a delegação ouviu
palavras amáveis de Sua Santidade e, na saída da sala de audiências, o massagista
Bené abalou os severos e silenciosos salões do Vaticano com o eco de seus
tremendos berros: “E ao Papa, nada? Então como é que é? É big, é big, é hora, é
hora, ra-tim-bum!”.
No México
Em 1970, o fotógrafo Manuel Ferreira,
ao desembarcar no Aeroporto, foi inquirido por agente da aduana: “Por favor
señor, nombre y apellido”. Resposta rápida: “Meu nome é Manoel, mas o pessoal
me chama
de Cebola”.
O goleiro Manga enganou Garrincha
A Caminho da Alemanha, Manga comprou, no aeroporto de Barajas, em Madri, um rádio de pilha por 180 dólares. Ao chegar ao hotel, em Frankfurt, ligou o rádio e ficou girando nervosamente o botão, e cada vez mais impaciente, Garrincha, seu companheiro de quarto, quis saber o que estava acontecendo.
- Não consigo pegar nenhuma estação nossa. Ele fala coisa que não entendo - disse Manga.
Malandramente, Garrincha pediu que ele procurasse entre os acessórios do rádio, um pequeno botão, que, introduzido num orifício ao lado, faria com que o rádio falasse português. Manga revirou a caixa do rádio e nada encontrou. Desesperado, achando que fora enganado, ia atirando o rádio pela janela, quando Garrincha ofereceu:
- Dou 20 dólares por ele, agora.
Manga tratou de vender logo e todo contente foi espalhar para os companheiros:
- Finalmente enganei aquele torto. Vendi para ele um rádio com defeito, que só fala língua de gringo.
O Maracanã para a utilização adequada
“Nos tempos em que administrava o
Maracanã, Abelard França recebeu carta de um torcedor, reclamando que todos os
domingos ia ao estádio e nunca encontrava papel higiênico nos sanitários.
Abelard França, que nunca deixava carta de torcedor sem resposta, escreveu ao
reclamante: ´Mandei providenciar. Mas gostaria que o amigo compreendesse que o
Maracanã não foi necessariamente feito para o uso que o senhor vem fazendo
dele´”
(Sandro Moreyra, Histórias
de futebol– Coleção O Dia Livros).
Sandro Moreyra (1918 - 29 de agosto de 1987) foi um jornalista e cronista esportivo brasileiro. Filho do poeta e jornalista Álvaro Moreyra e de Eugênia Moreyra, uma das primeiras feministas brasileiras, começou em 1946, no jornal Tribuna Popular, veículo do Partido Comunista Brasileiro. Depois, passou pelo Diário da Noite, até chegar ao Jornal do Brasil, em 1958. Em 1981, começou a escrever uma coluna no jornal e na revista Placar com histórias curiosas sobre personagens do futebol brasileiro, que fizeram dele uma das figuras mais queridas da imprensa. A coluna durou cinco anos, até sua morte, e o sucesso deu origem a seu único livro publicado, “Histórias do Sandro Moreyra”.
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