Martha Medeiros
Quanta gente perde a
vida que almejou por ter virado numa esquina
que não conduzia a lugar algum?
Aconteceu em Paris. Estava
sozinha e tinha duas horas livres antes de chamar o táxi que me levaria ao
aeroporto, de onde embarcaria de volta para o Brasil. Mala fechada, resolvi
gastar esse par de horas caminhando até a Place des Voges, que era perto do
hotel. Depois de chuvas torrenciais, fazia sol na minha última manhã na cidade,
então Place des Voges, lá vou eu. E fui.
Sem um mapa à mão, tinha certeza de
que acertaria o caminho, não era minha primeira vez na cidade. Mas por um
desatino do meu senso de orientação, dobrei errado numa esquina. Em vez de ir
para a esquerda, entrei à direita. Mais adiante, aí sim, virei à esquerda, mas
não encontrei nenhuma referência do que desejava. Segui reto: estaria a Place
des Voges logo em frente? Mais umas quadras, esquerda de novo. Gozado, era por
aqui, eu pensava. Não que fosse um sacrifício se perder em Paris, mas eu
parecia estar mais longe do hotel do que era conveniente. Mais caminhada, e
então, várias quadras adiante, não foi a Place des Voges que surgiu, e sim a
Place de la Republique.
Eu tinha atravessado uns três bairros de Paris, mon Dieu.
Perguntei a um morador o caminho mais curto
para voltar à rua onde ficava meu hotel, e ele me apontou um táxi. Teimosa,
pensei: ainda tenho um tempinho, voltarei a pé. E assim foram minhas duas
últimas horas em Paris, uma estabanada andando às pressas, saltando as poças da
noite anterior, olhando aflita para o relógio em vez de flanar como a cidade
pede. Cheguei bufando no hotel, peguei minha mala e, por causa da correria,
esqueci no hall de entrada uma gravura linda que havia comprado e que planejava
trazer em mãos no voo. Tudo por causa de uma esquina que dobrei errado.
Foram apenas duas horas inúteis e
cansativas, e duas horas não é nada na vida de ninguém. Mas quanta gente perde
a vida que almejou por ter virado numa esquina que não conduzia a lugar algum?
Alguns desacertos pelo caminho fazem
a gente perder três anos da nossa juventude, fazem a gente perder uma
oportunidade profissional, fazem a gente perder um amor, fazem a gente perder
uma chance de evoluir. Por desorientação, vamos parar no lado oposto de onde
nos aguardava uma área de conforto, onde encontraríamos pessoas afetivas e uma
felicidade não de cinema, mas real. Por sair em desatino sem a humildade de
pedir informação a quem conhece bem o trajeto ou de consultar um mapa, gastamos
sola de sapato à toa e um tempo que ninguém tem para esbanjar. Se a vida fosse
férias em Paris, perder-se poderia resultar apenas numa aventura, mesmo com o
risco de o avião partir sem nós. Mas a vida não é férias em Paris, e aí um dia
a gente se olha no espelho e enxerga um rosto envelhecido e amargurado, um
rosto de quem não realizou o que desejava, não alcançou suas metas, perdeu o
rumo: não consegue voltar para o início, para os seus amores, para as suas
verdades, para o que deixou pra trás. Não existe GPS que assegure se estamos no
caminho certo. Só nos resta prestar mais atenção.
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