quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A moça triste e o picareta


Joel Rufino dos Santos


Lá por 1915, na terceira classe de um navio de emigrantes para a América do Sul, um russo, Bogoloff, tentou flertar com uma judia, Irma. Irma tinha olhos negros, sonhadores. Contemplando a linha do horizonte, perguntou-lhe:

- Posso saber para onde a senhorita se dirige? 

- Buenos Aires. Quando estiver um pouco estragada, irei para o Rio de Janeiro.

No Rio, começavam a desembarcar os passageiros, pela ordem das classes, quando Bogoloff foi chamado por um oficial:

- Como se chama?

O intérprete traduziu. Bogoloff respondeu em francês que não entendera. O intérprete - um tipo alto, magro, com uma pequena barbicha alourada - se zangou:

- Você não é russo, como não compreende russo? 

Irma, que sabia francês, ajudou. O funcionário pediu que escrevesse. 

- Gregory Petrovich Bogoloff. 

Espiou o papel e perguntou de surpresa: 

- Sua profissão? 

- Professor. 

O homem pareceu não se conformar. 

- Você não é cafetão? 

- Por quê? - fez o russo, indignado.

- Estes nomes em "ich", em "off", em "sky", quase todos são de cafetões. Não falha. Cafetão ou anarquista.

Bogoloff negou com veemência. Foi liberado. Meses depois, um cabo-eleitoral apresentou Bogoloff ao senador Sofônias, que tinha um olhar vidrado de agonizante. Recebeu prazenteiro o russo, como todo brasileiro a quem se solicita alguma coisa. Deu uma carta de apresentação para Xandu, ministro da Agricultura, que o recebeu prontamente:

- Ah, a sua Rússia! O que falta ao Brasil é o frio. Tenho em casa uma câmara frigorífica, oito graus abaixo de zero, onde me meto todas as manhãs. O frio é o elemento essencial às civilizações. Penso em instalar grandes câmaras frigoríficas nas escolas, para dar atividade aos nossos rapazes. Mas, enfim, quais são suas ideias?

- São simples. Por meio de alimentação adequada, consigo porcos do tamanho de bois e bois do tamanho de elefantes.

- Mas como? 

 - O grande químico inglês Wells já escreveu algo a respeito. Conhece? 

- Magnífico! E o tempo de crescimento? 

- O comum. E ainda consigo a completa extinção dos ossos. 

- Completa?

- Isto é, quase completa.

Bogoloff enrolou Sua Excelência um pouco mais:

- Estudei um método de criar peixes em seco. Procedo artificialmente, isto é, provoco o organismo do peixe a criar para a sua célula um meio salino e térmico igual àquele em que se desenvolveu a vida no mar. Voltou para casa, certo de que continuaria a procurar emprego. Dia seguinte, ao abrir os jornais, fora nomeado diretor da Pecuária Nacional.

E Irma? Não sabemos dela. 




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