sábado, 16 de setembro de 2017

A incrível e triste vida de Henrietta Lacks


Como uma americana negra e pobre mudou a história da medicina
 com suas células, mas nunca se beneficiou disso.


Ela era baixinha, negra, pobre e morreu aos 31 anos em 1951. Durante décadas ela era conhecida – e mundialmente admirada – apenas como HeLa.

Na verdade, conhecidas são as suas células, pois a plantadora de tabaco americana Henrietta Lacks era basicamente uma desconhecida em seu país e no mundo até o lançamento, este ano, do livro “The Immortal Life of Henrietta Lacks”, da jornalista Rebecca Skloot (a tradução em português deve sair em abril de 2011 pela Companhia das Letras.

Henrietta nunca soube que os médicos do hospital Johns Hopkins, um dos mais importantes dos Estados Unidos, haviam retirado células do câncer de colo de útero que terminaria por matá-la. Mesmo seus filhos e marido souberam apenas 20 anos após sua morte que as células de Henrietta haviam se tornado a primeira linhagem de células imortais crescidas em cultura e que foram fundamentais para o avanço de medicina em áreas tão distintas como quimioterapia, clonagem, fertilização in vitro e a vacina da pólio.

Cem prédios Empire State

Atualmente, as células HeLa continuam mais ativas do que nunca em milhares de laboratório de todo o mundo embora ela esteja morta há 59 anos. “Deus e todo mundo as usam”, afirmou o professor Ricardo Brentani, professor emérito de Oncologia da Universidade de São Paulo (USP), presidente do Hospital do Câncer e diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). E completou: “Certamente há muito mais células da Henrietta Lacks nos laboratórios do que ela tinha quando ia ao supermercado”. No livro, Rebecca estima que se todas as células HeLa fossem empilhadas teriam o peso equivalente a cem Empire States Building, em Nova York (um dos prédios mais altos dos Estados Unidos com 102 andares). Até 2009, segundo dados levantados por Rebecca, mais de 60 mil artigos científicos haviam sido escritos sobre as células HeLa e eles cresciam a uma taxa de 300 artigos por mês.

O câncer de colo de útero é um dos que mais atinge mulheres em todo o mundo. Com cerca de 500 mil casos novos por ano no mundo, ele é o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres, sendo responsável pela morte de 230 mil mulheres por ano segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). No Brasil, para 2010, são esperados mais de 18 mil casos novos, ou seja, 18 casos para cada 100 mil mulheres.

Atualmente, sabe-se que o surgimento deste tipo de câncer está associado à infecção por um dos 15 tipos oncogênicos do vírus Human Papilloma Virus (HPV). “A linhagem celular derivada do tumor de Henrietta contém o DNA do HPV tipo 18, um dos mais oncogênicos.”, explicou a pesquisadora Luisa Villa, do Instituto Ludwig que trabalha com células HeLa há mais de 25 anos e liderou as pesquisas no Brasil que levaram à criação da primeira vacina contra HPV aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2006 – a vacina é eficaz contra quatro tipos de HPV (6, 11, 16 e 18).

E elas – as células HeLa - continuam a ser reproduzidas em laboratório e literalmente vendidas por US$ 25 o tubo de ensaio. Sim, as HeLa também se transformaram em um grande negócio financeiro. Novamente, a família Lacks foi esquecida e pior até: nunca se beneficiou dela e nenhum dos filhos de Henrietta conseguiu ter plano de saúde e muito menos ir à universidade.

As células HeLa também foram ao espaço na primeira missão especial para ver o que acontecia às células humanas em um ambiente de gravidade zero. O trabalho com células HeLa mudou a medicina, mas sua dona ficou na sombra durante décadas e sua família nunca se beneficiou disso. Esta é a incrível e triste história de Henrietta Lacks.


Henrietta e David Lacks em 1945

Henrietta Lacks (Roanoke, 18 de agosto de 1920 - Baltimore, 4 de outubro de 1951) foi a doadora involuntária de células cancerosas, mantidas em cultura microbiológica pelo cientista George Otto Gey para criar uma linhagem celular imortal a ser utilizada em pesquisas médicas. Esta linha de células é atualmente conhecida como HeLa.

As células HeLa foram cultivadas quando a senhora Lacks recebia tratamento para um câncer cervical no Johns Hopkins Hospital. Seu câncer produzia metástases anormalmente rápidas, mais que qualquer outro tipo de câncer conhecido pelos médicos.

Após o óbito de Henrietta Lacks, suas células continuaram sendo cultivadas para estudo de sua impressionante longevidade, sendo distribuídas por vários laboratórios em todo o mundo. Jonas Salk as utilizou para produzir um vacina contra a poliomielite. Foram enviadas ao espaço para experiências sob gravidade zero. Neste meio século desde sua morte, suas células foram continuamente usadas em experimentos e pesquisas contra o câncer, AIDS, efeitos da radiação, mapeamento genético e muito mais. Calcula-se que a quantidade de células existentes nos laboratórios de todo o mundo supere o número de células da senhora Lacks em vida.

(Do blog Ciência - IG


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