(...)
Mas, antes, vou falar um pouco do
Riva (Rivelino), porque finalmente recebi do meu amigo Maurício Noriega o seu
livro Rivellino.
Noriega, se você não sabe, é um dos
melhores comentaristas de futebol da TV brasileira. Ele faz com o Milton Leite
uma dupla harmônica como faziam Zico e Rivellino na Seleção.
Pois
Noriega, homem do vídeo e da fala, pôs-se a escrever, e o fez bem.
Em geral, livros sobre o mundo do
futebol, no Brasil, não passam de rematada picaretagem. Não há preocupação com
o texto ou com a pesquisa, a intenção dos autores é faturar com a popularidade
do tema. No caso do Noriega, não. O leitor percebe que houve trabalho e
critério. Quem gosta de futebol vai gostar de ler.
Uma das tantas histórias que Noriega conta sobre o Riva se passou às
vésperas da Copa de 1970. Rivellino ainda não era titular daquele que foi
considerado o maior time de futebol de todos os tempos. Outros dois legítimos
craques candidatavam-se a jogar naquela posição: Edu, ponta-esquerda clássico
de drible irresistível, mas que não voltava para marcar, e Paulo César Caju,
meia de habilidade incomum e jogo cadenciado, que seria campeão do mundo pelo
Grêmio na década seguinte.
Rivellino teria sua chance de mostrar
que era melhor do que os concorrentes em uma partida preparatória contra a
Áustria, em que foi escalado para sair jogando.
Ele, de fato, era melhor, mas às
vezes um grande jogador desanda quando sofre a pressão de ter de provar sua
capacidade em um único jogo.
Por isso, no dia da partida,
Rivellino sentia-se apreensivo em meio ao ambiente da concentração. Só relaxava
no momento em que se reunia com jornalistas e outros jogadores para comentar a
respeito de uma morena sinuosa que circulava pelo hotel naqueles dias. Mais do
que o adversário, ela era o assunto das conversas. Todos olhavam para a morena,
e a cobiçavam.
Rivelino, no entanto, estava mais
preocupado com a partida. Depois do almoço, ele se recolheu ao quarto,
deitou-se e ficou pensando como deveria jogar. Estava estendido na cama, quando
ouviu baterem à porta. Foi atender e, ué?, não havia ninguém no corredor.
Deitou-se outra vez. Mal cruzou as mãos atrás do pescoço e, maldição!, novas batidas.
Agora, já irritado, gritou, enquanto se erguia:
– Tem jogo daqui a pouco! Vão
descansar!
Abriu a porta. E, com mil lançamentos
em profundidade, não havia ninguém.
Deitou-se novamente, intrigado, e
novamente soaram as batidas na madeira. Então, Rivellino percebeu que o som não
vinha da porta da frente e sim de uma lateral, que se comunicava com o quarto
contíguo. Foi até lá. Abriu-a e... sim, sim, mil vezes sim! Era ela. A morena.
Sorria um sorriso de promessas.
Cumpridas.
Após algumas horas de prazer carnal,
Rivellino entrou em campo flutuando. Procure as cenas no YouTube. Você verá um
conjunto de lances que nenhum jogador acumula num único jogo nos dias de hoje.
E, para arrematar uma apresentação perfeita, aos 12 minutos do segundo tempo,
ele recebeu a bola de Gérson, driblou um adversário, enquadrou o corpo e chutou
com o lado de dentro do pé. A bola fez uma negaça para se esquivar do goleiro e
entrou no canto: 1 a
0 para o Brasil. Rivellino seria titularíssimo da Seleção das Seleções, na Copa
das Copas.
(...)
(Excerto de uma
crônica de David Coimbra,
em
Zero Hora , agosto de 2017)
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