Um fato da antiga Porto Alegre
(1881)
Por Antônio Álvares Pereira, o Coruja.
Uma Mãe-de-Santo da época
O candombe (1) da mãe Rita era na
Várzea (2), defronte da casa e curral do antigo matadouro (3), mais ou menos no
terreno então baldio e depois ocupado pelas casas do Firmo e a olaria do Juca
(José de Sousa Costa), ou Juca da Olaria (4), nomes quase iguais à Baiana do
Presépio ou Presépio da Baiana (5).
Ali se reuniam nos domingos à tarde
pretos de diversas nações, que com seus tambores, canzás, urucungos e marimbas
cantavam e dançavam esquecendo as mágoas da escravidão, sem que causassem
maiores cuidados à polícia, como e à mesma hora acontecia aos parelheiros da
Várzea em frente à chácara do velho Leão (6), com os tantos patacões aos pés do
bico blanco, do zaino, do mano Juca, etc., apostas que quase sempre acabavam em
rolo.
Nesse candombe também se ensaiavam os
cocumbis (7) que pelo Natal nas
festas da Senhora do Rosário, levando à frente o Rei e a Rainha vestidos à
caráter, com a juíza do
ramalhete e a competente aristocracia negra, iam dançar, ou antes, sapatear no
corpo da igreja (8) com guizos nos tornozelos, enquanto dali não os expulsou o
falecido vigário José Inácio, de saudosa memória.
Esta expulsão ou proibição deu causa
a que o tesoureiro da irmandade, Francisco José Furtado, promovesse a ereção da
atual Igreja do Rosário (9), mas quando anos depois na se concluía, já não
dançavam aí mais os pretinhos, porque os tempos já eram outros, e só em Viamão
se viu um arremedo do cocumbis, em
que o rei e a rainha se caracterizavam com as colchas das sinhás-moças.
Não sei se o vigário tinha razão
nesta expulsão ou proibição, pois como era octogenário devia saber que em julho
de 1756, quando pela capitania andou o conde de Bobadela, foi no povo de Santo
Ângelo obsequiado ele e a oficialidade que o acompanhava, pelo padre Bartolomeu
Piza, superior daquela missão, com um sermão dentro da igreja. À entrada da
porta principal, e que as índias e índios dançavam minuetos e contradanças
nobilíssimas em honra de Santo Inácio de Loyola, patriarca da Companhia de
Jesus de quem reza a igreja no dia último desse mês.
E o vigário José Inácio não devia
ser mais católico nem mais cristão do que os próprios jesuítas.
Notas
1. Candombe equivale à designação
atual batuque, observa Sérgio da Costa Franco. É de ver que a palavra candombe sobreviveu
no Uruguai, onde designa um gênero musical afro-americano.
2. Grande área alagadiça que compreendia o atual parque
Farroupilha e era maior que ele.
3. Parece ser aquele que
funcionou até 1824 na altura da atual Rua Avaí, perto da João Pessoa.
4. Não era este o mais antigo
proprietário de uma olaria na região, onde hoje corre a Rua Lima e Silva.
5. Trata-se de Ana Maria de São
José, senhora que vivia no antigo caminho da Azenha, atual João Pessoa, que de
fato abria à visitação um presépio, por ocasião do Natal, segundo Coruja. Era
uma “mulata velha” que sobreviveu como parteira depois de ter sido preterida
numa herança rica a que tinha direito.
6. Atrás do atual Colégio Militar.
7. Na região de Osório se manteve
esta tradição, a das congadas ou moçambiques e dos cocumbis permaneciam só em
Viamão, que era o município a que pertencia a região litorânea toda.
8. Esta igreja era a antiga Matriz, que existia até a década
de 1920 no mesmo local da atual.
9. Atual na época da redação,
claro. Coruja está falando da antiga Igreja do Rosário, construída pela
irmandade dos pretos (livres ou escravos), construída na atual Rua (ironia da
história?) Vigário José Inácio entre 1817 e 27 e destruída irracionalmente nos
1950, para dar lugar à atual.
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