Todo mundo ouvia falar muito de João
Gilberto. Diziam que era um cara maluco, que já havia sido internado, vivia de
cabelo enorme, barbado e que, como um vampiro, só saía à noite.
Certo dia, chegou
à casa de Ronaldo Bôscoli. Não era nada do que diziam as más línguas.
Cabelo cortado, barba feita, sapato
engraxado e, claro, um violão debaixo do braço. Tocou um violão fantástico que
deixou todo mundo boquiaberto e explicou que tinha brigado com o Tito Madi, não
tendo para onde ir. Já era madrugada quando João, convidado pelo Bôscoli,
mudou-se para o pequeno quarto-e-sala do Edifício Haiti onde já moravam, além
do Bôscoli, Mièle e um empregado chamado Chico. Cinco “artistas” num
quarto-e-sala.
Era um sujeito de hábitos muito estranhos. Ficava horas ao telefone,
horas no banheiro, para desespero dos outros moradores. Dormia vestido, com uma
gravata tapando os olhos. Ficava,como um morto, em decúbito dorsal. Sempre
muito limpo, muito asseado.
Havia um sistema para compras de
mantimentos para a casa em que todos cooperavam. Só que o João Gilberto só
comprava o que gostava: Tangerina!
Ia pra rua de madrugada, passava na
feira e comprava quilos de tangerina. Chegava por volta das seis horas e
acordava todo mundo, cantando as músicas do dono da casa, Ronaldo Bôscoli.
Aprendeu “Lobo Bobo” (que o Bôscoli fez para a Nara) e “Saudade fez um Samba”,
com acordes magníficos, deslumbrando a todos.
Certo dia
disse ao Ronaldo (a quem ele chamava de “Ronga”):
- Que
suéter bonito, Ronga! Vocês cariocas têm bom gosto! Me empresta?.
O coitado do
Bôscoli emprestou o lindo suéter que ficou pra sempre com o “cara-de-pau”.
Quem quiser vê-lo, compre o primeiro
LP que gravou: “Chega de Saudade”. O suéter está lá.
Capa do primeiro LP
gravado por João Gilberto em 1959.
Na foto, João
Gilberto está com o famoso suéter.
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