domingo, 20 de agosto de 2017

Fragmentos da História do Brasil

A tragédia de Osório


Falta à nossa literatura Shakespeare, quem sabe Balzac, para narrar a tragédia amorosa de um grande herói da Pátria. Em 1829, o general Osório era tenente em Rio Pardo e se apaixonou por Ana, filha de próspero fazendeiro da região.

O fazendeiro, aparentado com poderosos do Império, opôs-se ao romance porque Osório era homem pobre. Para separar os namorados, conseguiu que o Exército o transferisse para uma guarnição da fronteira.

No exílio, Osório escrevia diariamente a Ana. Jamais recebeu resposta porque as cartas eram interceptadas pelo fazendeiro.

Mesmo sem notícia do bem-amado, Ana manteve-se fiel. Quando o pai decidiu casá-la com um parente rico, desesperada escreveu a Osório, pedindo que viesse buscá-la, para fugirem.

Por azar, o portador da carta adoeceu no meio da viagem. Quando Osório recebeu o apelo, era tarde. Ao chegar em Rio pardo, Ana havia casado na véspera.

Osório voltou para a fronteira e só muitos anos mais tarde teve olhos para outra mulher. Quanto a Ana, adoeceu de desgosto e faleceu antes que o indesejado casamento completasse um mês.

Pedro I e a francesa


Falta também ao Brasil um Bocaccio para relatar a crônica galante do Imperador Pedro I. O episódio, envolvendo a francesa Louise Saisset, cabeleireira e seu marido Antoine, dono de uma loja de modas, é digno de figurar no Decameron.

Apaixonado pela mulher, D. Pedro ordenou o seu camareiro, Chalaça, que chamasse o lojista ao Palácio e ali o retivesse, sob qualquer pretexto, enquanto se divertia com Louise na residência do casal.

Antoine, metido em contrabando, desconfiou que a conversa espichada escondesse a intenção de prendê-lo. Aproveitou a primeira distração para fugir, chegando esbaforido em casa.

D. Pedro estava à vontade no quarto do casal quando entrou o marido. O primeiro impulso foi jogar-se pela janela, mas a cabeleireira o impediu, para evitar escândalo. Enfaixou-lhe a perna e contou a Antoine que Sua Majestade – oh! que desgraça! – caíra do cavalo nas proximidades e torcera o joelho. Socorrera Sua Majestade e o trouxera para casa, de onde não poderia sair nas próximas 24 horas, por recomendação médica.

Naquela noite, Antoine Saisset dormiu no sofá da sala, enquanto sua prestimosa mulher cuidava, com desvelo, do Imperador do Brasil.

Os amores de Tiradentes


Perpétua Mineira viveu no Rio de Janeiro ao tempo da Inconfidência. Dizem que foi amante de Tiradentes. Não deixou rastro e não ser em crônicas de Joaquim Manoel de Macedo, que recolheu dos mexericos de ruas. Enjeitada em Minas Gerais, dera com os costados no Rio. Ganhou o nome porque gostava de perpétuas, flores tidas por agourentas.

Perpétua abriu restaurante na Rua do Ouvidor, freqüentado por Tiradentes. Os dois se apaixonaram à primeira vista.

Até aí, nenhuma novidade. Tiradentes era chegado a amores vadios por desilusão com a única noiva que teve, Antônia Maria Espírito Santo, que lhe foi infiel.

Quando Tiradentes foi executado em 1792, dizem que Perpétua encontrou junto da forca, manchado de sangue, o lenço com as iniciais do alferes, que bordara para ele, havia três anos, pouco antes de ser preso.

A história é pouco provável. Se Perpétua Mineira teve vida real, cultivou flores e bordou lenços, não esperou três anos para ver o bem-amado estrebuchar na forca. Com o terror imposto ao Rio de Janeiro e à Vila Rica, para reprimir qualquer veleidade revolucionária, logo que Tiradentes foi preso ela deu às de Vila Diogo, como se falava então.

Ou, como diríamos hoje, deu no pé, sem flores nem lenço nem documento.

A morte de um herói


Biografia curiosa é a de um cão vira-latas que um dia entrou no 31° Batalhão de Voluntários do Rio de Janeiro e foi adotado pelos soldados. Ganhou o nome de Brutus. Quando estourou a Guerra do Paraguai, recebeu o posto de mascote e seguiu para a frente de batalha.

A crônica do 31° Batalhão de Voluntários registra a bravura de Brutus. Enfrentava os paraguaios de igual para igual, com as armas que tinha: dentes e latidos. Ferido em ação, mesmo assim continuou com grande garbo, mordendo e latindo para o inimigo.

Finda a guerra. Brutus voltou para o Rio de Janeiro, coberto de glórias. Passou a ter no quartel tratamento digno de herói. Entrava e saía à hora que bem entendia. Tinha hábitos previsíveis: carimbava o poste mais próximo e rendia homenagem às cadelinhas da vizinhança.

É triste o destino dos velhos soldados. Em um desses passeios, um mata-cachorros da Prefeitura do Rio de Janeiro, incapaz de distinguir um grande herói de um mero cão vadio, jogou-lhe carne envenenada.

Brutus morreu na rua, fulminado pela estricnina. Seu corpo foi empalhado. Hoje é peça no Museu da Polícia Militar do Rio de Janeiro.


(Do livro “Notas Curiosas da Espécie Humana”, de Jayme Copstein)

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