pode queimar a língua.
Por Eduardo Bueno
Chimarrão é o champanhe da campanha.
A diferença é que não é servido fresco, mas quente, quase fervendo. Ou melhor,
chiando: a água deve estar a 92,5 graus – e é bom se ligar na temperatura. O
ano da safra, a forma da colheita, o preparo e a composição da erva (pura folha
ou com pedaços de talo), tudo isso conta. E é recomendável saber a procedência
do produto: a erva gaúcha é bem-vinda, mas não há problema se vier do Paraguai.
A hora de servir e de sorver o chimarrão envolve ritual completo – e complexo.
A cuia, a bomba e a chaleira podem ser de muitos tipos, e cada uma possui seus
toques especiais. Sabe a cerimônia do chá japonesa? Pois é mais ou menos assim.
Chimarrão, aliás, não deixa de ser um chá – só que com muito mais cafeína que o
café.
Ligado à essência da tradição gaúcha,
o chimarrão gerou cancioneiro próprio, além das inúmeras aparições como
coadjuvante em prosa e verso gauchescos. Ainda assim, como acontece com tantas
palavras “gaúchas”, não se sabe ao certo o que “chimarrão” quer dizer. Não que
isso tenha levado alguém a sorver o amargo com menos ímpeto, mas aqueles que
vão à raiz do problema obtêm bela explicação: “chimarrão” define algo
silvestre, que não é cultivado nem doméstico, mas indômito e arredio – seja
gado, ou índio, ou negro chimarrão.
Erva sagrada para os incas, quíchuas
e guaranis, autêntica erva do diabo para os primeiros conquistadores e
primeiros inquisidores, a erva-mate revelou-se problema complexo para os
primeiros botânicos viajantes. Embora tivesse sido estudada antes por outros,
acabou batizada de ilex paraguariensis pelo grande Auguste de Saint-Hilaire. E
onde Saint-Hilaire estudou os ervais? Aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, em
1821.
A cuia onde se prepara o mate é de
porongo. Ou melhor, da flor do porongo – flor surpreendente, dura e
arredondada. Tal é a importância da cuia que a palavra “mate” vem do quíchua
“mati”, cujo significado é “porongo”. Já a bomba com que se chupa o mate é
coisa preciosa: às vezes literalmente, pois as melhores são de prata, com bocal
de ouro. O ouro, dizem, permite que o mate passe de boca em boca sem que os
micróbios passem juntos. Mas não é só o bocal de ouro que garante a qualidade
da bomba: é preciso que ela tenha bom ralo e bela haste.
O mate está para os gaúchos como o
chá para os ingleses, a coca para os bolivianos, o uísque para os escoceses e o
café... para os brasileiros. Aliás, uma frase dita sobre o café desce redondo
com o mate: é a bebida que dá espírito até para quem não o tem.
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