Rafael Hofmeister de
Aguiar*
Patativa do Assaré,
por Marcelo F. de Abreu
Antônio Gonçalves da Silva recebeu,
ainda jovem, a alcunha de Patativa do Assaré**, por causa de seus poemas serem comparados
com a beleza da ave patativa. Embora tenha frequentado a escola formal por
apenas quatro meses, desenvolveu uma poética que abrange um amplo universo,
sobretudo, a vida do sertão. E é falando sobre esse espaço que, em um de seus
poemas mais conhecidos, “Retrato do Sertão”, Patativa do Assaré afirma: “Vivo
dentro do sertão/E o sertão dentro de mim”, constituindo-se em um dos maiores
intérpretes do Nordeste brasileiro. Aquele “Caboclo Roceiro”, título de outro
poema seu, coloca-se, assim, ao lado de escritores como Graciliano Ramos, José
Lins do Rego e Guimarães Rosa, desvelando não só o sertão e suas fissuras
sociais, mas também o sertão dentro de nós.
Há 15 anos, em 8 de julho de 2002,
Antônio Gonçalves da Silva deixou a vida, contudo seus versos e seu canto
continuaram e, ainda, vão ecoar, enquanto existirem injustiças sociais. Eis a
perspectiva da poética patativana: o social. Nesse sentido, a fala do genro do
poeta, Raimundo, a quem entrevistei na primeira das minhas quatro viagens para
Assaré-CE, revela percepção do sertanejo acerca da preocupação social do poeta.
Ele afirma que o que orientava a poesia patativana era a luta contra a
injustiça social, em um país em que pessoas morriam de fome e pelo descaso dos
governantes.
Aliás, denunciando as mazelas sociais, o poeta
ficou nacionalmente conhecido em 1964, quando Luiz Gonzaga gravou “A Triste
Partida”, que perfaz o drama dos retirantes sertanejos. Assim, Patativa fala
sobre uma família obrigada a abandonar a terra natal e viver aprisionada no
Sudeste, sendo explorada pelo patrão, recebendo o destino de nunca retornar ao
sertão. É um comovente relato sobre aqueles descasos de que Raimundo chamava
atenção.
É na poética de cunho social,
cantando o seu próprio drama, que Patativa nos emociona. Esse é o caso de “A
Morte de Nanã”, em que conta a morte da própria filha devido à fome advinda da
seca. Acompanhando o relato do poeta, é difícil não se emocionar com os versos
em que a menina dá os seus últimos suspiros e pede a bênção do pai para partir.
Apesar de ser associado ao cordel, os
folhetos constituem-se uma parte ínfima da produção de Patativa do Assaré, que
afirmava que não fazia cordel, pois a sua poesia era criação própria. O
poeta-pássaro, dessa forma, está ligado mais ao universo da cantoria e da
poesia improvisada: o repente. E é imbuído do improviso que o poeta, em um
jantar em Fortaleza na década de 1970, tendo um gravador à sua frente, brada:
Gravador que estás gravando
Aqui, no nosso ambiente,
Tu gravas a minha voz,
O meu verso, o meu repente.
Mas, gravador, tu não gravas
A dor que o meu peito sente!
Tu gravas em tua fita,
Com a maior perfeição,
O timbre da minha voz,
A minha fraca expressão!
Mas não gravas a dor grave,
Gravada em meu coração.
Caso também emblemático do improviso
patativano é, quando, por causa de um poema contra o prefeito de Assaré, o
poeta é preso. Ao chegar à delegacia, ele encontra a ave patativa presa em uma
gaiola e dispara quase em automático:
Patativa descontente,
Nessa gaiola cativa,
Embora bem diferente,
Eu também sou patativa.
Linda avezinha pequena,
Temos o mesmo desgosto,
Sofremos a mesa pena,
Embora em sentido oposto.
Meu sofrer e teu penar
Clamam a divina lei.
Tu, presa para cantar,
Eu, preso porque cantei.
(...)
Patativa do Assaré foi a voz do
sertão, apresentando as suas fissuras sociais. Ao nos emocionar com seus versos,
desvelando não só a dor do sertanejo como também a dor que muitos de nós
podemos sentir diante do sofrimento do outro, o sertão não está somente dentro
do poeta, mas dentro de nós.
(Do caderno de Sábado
– Correio do Povo – julho de 2017)
*Mestre em Processos e
Manifestações Culturais pela Universidade Feevale, doutorando em Letras –
Estudos de Literatura pela Ufrgs e professor e pesquisador do IFRS – Campus
Rolante.
**Antônio Gonçalves da Silva,
mais conhecido como Patativa do Assaré (Assaré,
5 de março
de 1909
‒ Assaré, 8 de julho
de 2002),
foi um poeta
popular, compositor,
cantor
e improvisador brasileiro.
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