sexta-feira, 23 de junho de 2017

Machado de Assis em foto histórica


Pesquisa identifica Machado de Assis 
em foto histórica sobre abolição


Missa Campal plano geral



Missa Campal - detalhe


Foto histórica ampliada 15 vezes,
revela que Machado de Assis estava próximo da questão abolicionista.

→ A Brasiliana Fotográfica divulgou no último domingo ter descoberto um registro fotográfico inédito de Machado de Assis (1839-1908).

→ O site de fotografias brasileiras do século 19 e do começo do 20 identificou a presença do escritor em uma imagem sobre o fim da escravidão. Em 17 de maio de 1888, quatro dias depois da assinatura da Lei Áurea, uma missa campal foi celebrada em São Cristóvão, no Rio, em homenagem à abolição da escravatura.

→ Cerca de 30 mil pessoas estiveram presentes. A missa foi retratada pelo fotógrafo Antônio Luiz Ferreira. De uma posição um pouco acima do nível do chão, ele fez uma tomada panorâmica que contemplou uma larga extensão do Campo de São Cristóvão. Na imagem se misturaram negros recém-libertos, jornalistas, intelectuais, representantes do império e da igreja. O escritor Lima Barreto, então com sete anos, também esteve na missa. No canto esquerdo, está a princesa Isabel e seu marido, o conde D’Eu.

→ Agora os pesquisadores da Brasiliana Fotográfica notaram a presença de Machado, próximo ao casal real. A fotografia da missa, ainda hoje pouco divulgada, integra a coleção do IMS (Instituto Moreira Salles), instituição que, em parceria com a Biblioteca Nacional, abastece a Brasiliana Fotográfica. A equipe do portal, lançado há um mês, digitalizou a fotografia em alta resolução e se dedicou a examinar os detalhes da cena.

→ O palco em que aparece a princesa Isabel foi ampliado 15 vezes, o que revelou um homem bastante semelhante ao escritor. Segundo o site, especialistas na obra do autor de “Dom Casmurro”, como Eduardo Assis Duarte e Ubiratan Machado, confirmaram tratar-se realmente de Machado.

→ É possível ver apenas uma parte do rosto do escritor, atrás de um senhor de barba branca, não identificado. “A foto é uma representação muito importante do contexto da época, e ainda demonstra que Machado estava próximo da questão abolicionista”, diz Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS. Ao site da Brasiliana Fotográfica, Ubiratan Machado, autor de “Dicionário de Machado de Assis”; e um dos principais estudiosos da documentação machadiana, diz que a presença do escritor na missa era “fato até hoje desconhecido pelos biógrafos”.

→ Machado, contudo, escreveu ao menos duas crônicas sobre a missa, em que satiriza a classe política da época. Nas primeiras décadas do século 20, Machado, mulato bisneto de escravos alforriados, foi criticado por ser omisso em relação à escravidão. Estudos posteriores, no entanto, mostraram que ele retratou com argúcia as contradições sociais do país no século 19, a escravidão entre elas.

→ Desde os anos 1870 Machado escreveu diversas crônicas contra a escravidão na imprensa da época. “Não bato o martelo de que é o Machado, mas realmente parece muito com ele”, diz Valentim Facioli, professor aposentado da USP, dono da editora Nankin e pesquisador de Machado há 50 anos.

→ “Se for realmente ele, é mais uma prova para desqualificar as bobagens de que Machado era indiferente à escravidão. Sempre foi um abolicionista, mas à moda dele, sem militar em grupos ou comícios.” “Parece realmente o Machado daquele período”, diz o inglês John Gledson, outro estudioso do autor.

→ “Me surpreende que ele estivesse tão perto da princesa. Ele não era exatamente membro da elite, embora já fosse famoso na época”.

(Do Blog Focus – Escola de Fotografia)

Princesa Isabel e seus convidados ilustres


Missa Campal – 18 de maio de 1888

→ Dois anos após a publicação da fotografia produzida por Antônio Luiz Ferreira, Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da Escravatura no Brasil, realizada no Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1888, a Brasiliana Fotográfica a republica com mais uma identificação, dessa vez, do padre baiano José Alves Martins do Loreto (1845 – 1896), redator e sócio proprietário do jornal O Apóstolo. O reconhecimento foi feito pelo leitor Pedro Juarez Pinheiro. Além das identificações iniciais, que incluíram Machado de Assis (1839 – 1908), muitas outras já foram realizadas a partir de indicações feitas pelos leitores desse portal, que aceitaram o desafio de apontar outras pessoas presentes no evento. Mas ainda há muito trabalho pela frente. Novos reconhecimentos são bem-vindos! Na silhueta abaixo, o padre Loreto é o número 21.


01 – Princesa Isabel (1846-1921) – princesa imperial do Brasil e três vezes regente do Império do Brasil. Ficou conhecida como a Redentora por ter assinado a Lei Áurea.

02 – Luis Filipe Maria Fernando Gastão de Orleans, o conde d´Eu (1842-1922) – príncipe do Brasil por seu casamento com a princesa Isabel.

03 – Não identificada.

04 – Possivelmente o Marechal Hermes Ernesto da Fonseca (1824-1891) – político e militar brasileiro, irmão do general Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, e pai do futuro presidente do Brasil, Hermes Rodrigues da Fonseca.

05 – Machado de Assis (1839-1908) – um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.

06 – Possivelmente José de Miranda da Silva Reis, marechal de campo e Barão Miranda Reis (1824-1903) – foi ajudante de campo e camarista do imperador Pedro II e participou da Guerra do Paraguai. Exerceu importantes cargos, dentre eles foi ministro do Superior Tribunal Militar e dirigiu a Escola Superior de Guerra e o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro.

07 – Possivelmente José do Patrocínio, encoberto por uma lança, (1854-1905) – escritor e jornalista, uma das maiores figuras do movimento abolicionista. Na foto está segurando a mão de seu filho primogênito, que ao fim da missa foi beijado pela princesa Isabel.

08 – Jornalista (?) não identificado.

09 – Possivelmente José Ferreira de Souza Araújo, conhecido como Ferreira Araújo (1848-1900) – um dos mais importantes jornalistas da época, foi diretor da Gazeta de Notícias e sob o pseudônimo Lulu Sênior escreveu as muito populares colunas Macaquinhos no Sótão, Balas de Estalo e Apanhados. Foi o vice-diretor da Comissão Central da Imprensa Fluminense, formada para organizar e programar os festejos em torno da Abolição.

10 – Thomaz José Coelho de Almeida (1838-1895) – ministro da Guerra, integrante do Gabinete de 10 de março de 1888.

11 – Rodrigo Silva (1833-1889) – ministro dos Negócios da Agricultura e interino dos Negócios Estrangeiros, integrante do Gabinete de 10 de março de 1888.

12 – José Fernandes da Costa Pereira Júnior (1833-1899) – ministro do Império, integrante do Gabinete de 10 de março de 1888.

13 – João Alfredo Correia de Oliveira (1835-1919) – presidente do Conselho de Ministros do Gabinete de 10 de março de 1888.

14 – Maria José Velho de Avelar, Baronesa de Muritiba (1851-1932) – dama do Paço e amiga íntima da princesa Isabel.

15 – Maria Amanda de Paranaguá Dória, Baronesa de Loreto (1849-1931) – dama do Paço e amiga íntima da princesa Isabel.

16 – Fernando Mendes de Almeida (1845-1921) – na época, diretor e redator-chefe do Diário de Notícias. Era o segundo secretário da Comissão Central da Imprensa Fluminense, formada para organizar e programar os festejos em torno da Abolição.

17 – Jornalista (?) não identificado.

18 – Jornalista (?) não identificado.

19 – Senador ou deputado (?) não identificado.

20 – Possivelmente Ângelo Agostini (1843-1910) – italiano, um dos primeiros e mais importantes cartunistas do Brasil. Fez uma intensa campanha pela abolição da escravatura. Fundou e colaborou com diversos jornais e revistas, dentre eles a “Revista Illustrada”, que circulou entre 1876 e 1898.

21 – Padre José Alves Martins do Loreto (1845 – 1893), redator e sócio proprietário do jornal “O Apóstolo”.

→ À esquerda da fotografia, estão vários padres diante do altar, que ainda não conseguimos identificar. Dentre eles, segundo a imprensa da época, estariam o celebrante da missa, padre Cassiano Coriolano Collona, capelão do Exército e um dos fundadores da Confederação Abolicionista, criada em 19 de fevereiro de 1888; o padre-mestre Escobar de Araújo, vigário de São Cristóvão; os padres Castelo Branco e Telêmaco de Souza Velho e o padre Loreto, agora identificado.

→ O missal usado na cerimônia, em veludo carmezin, tinha a seguinte inscrição: “13 de maio de 1888 – Esse missal foi o que serviu na missa campal, celebrada em 17 de maio de 1888, no campo de São Cristóvão, em ação de graças pela promulgação da lei que extinguiu a escravidão no Brasil”. O missal e a campainha utilizados foram, assim como a garrafa de vinho Lacryma Christi, doados. Segundo a imprensa da época, formavam as alas do altar as ordens terceiras de São Francisco de Paula, de São Francisco da Penitência e de Nossa Senhora do Carmo, além das irmandades de São Cristóvão e do Rosário com seus galões e candelabros. Estandartes de associações e de escolas podem ser vistas na foto.

→ A importância dos jornais do Rio de Janeiro no processo da Abolição da Escravatura fica evidenciada na missa campal por dois fatos: antes do início da cerimônia, o ministro da Guerra, Thomaz José Coelho de Almeida (identificado na foto – número 10), “ergueu um viva à imprensa nacional”; e, representando a imprensa, o jornalista Fernando Mendes de Almeida (identificado na foto – número 16, vestindo uma toga) ajudou na celebração da missa campal.

→ A missa campal do dia 17 de maio de 1888 foi um dos festejos pela Abolição da Escravatura organizada pela Comissão Central da Imprensa Fluminense. Possivelmente, seus integrantes estão identificados na foto usando uma faixa na qual podemos ler a palavra imprensa.

A presença de Lima Barreto na Missa Campal

→ Apesar de não estar identificado na fotografia de Antonio Luis Ferreira, o escritor e jornalista Afonso Henriques de Lima Barreto (13/05/1881 – 1/11/1922), na época com 7 anos, contou em uma crônica publicada na Gazeta de Tarde, de 4 de maio de 1911, que esteve presente a esse momento histórico, levado por seu pai, João Henriques de Lima Barreto. Escreveu: Houve missa campal no Campo de São Cristóvão. Eu fui também com meu pai; mas pouco me recordo dela, a não ser lembrar-me que, ao assisti-la, me vinha aos olhos a “Primeira Missa”, de Vítor Meireles. Era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez… A crônica de Lima Barreto foi transcrita no blog do Instituto Moreira Salles.

→ Uma curiosidade: Lima Barreto nasceu justamente no dia em que foi abolida a escravatura no Brasil, 13 de maio de 1881. Seus pais eram filhos de ex-escravizadas.

Abaixo, no lado esquerdo da foto, vemos no altar da celebração, as figuras ilustres presentes nessa Missa Campal, ente elas, Machado de Assis...


“Missa Campal celebrada em ação de graças
pela Abolição da escravatura no Brasil”.
Foto do plano geral de Antonio Luiz Ferreira, 1888.

Lima Barreto e a Missa Campal

Estamos em maio, o mês das flores, o mês sagrado pela poesia. Não é sem emoção que o vejo entrar. Há em minha alma um renovamento; as ambições desabrocham de novo e, de novo, me chegam revoadas de sonhos. Nasci sob o seu signo, a treze, e creio que em sexta-feira; e, por isso, também à emoção que o mês sagrado me traz se misturam recordações da minha meninice.

Agora mesmo estou a lembrar-me que, em 1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar a assinatura no Largo do Paço.

Na minha lembrança desses acontecimentos, o edifício do antigo paço, hoje repartição dos Telégrafos, fica muito alto, um sky-scraper; e lá de uma das janelas eu vejo um homem que acena para o povo.

Não me recordo bem se ele falou e não sou capaz de afirmar se era mes­mo o grande Patrocínio.

Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles mi­lhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas…

Fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente festa e harmonia.

Houve missa campal no Campo de São Cristóvão. Eu fui também com meu pai; mas pouco me recordo dela, a não ser lembrar-me que, ao assisti-la, me vinha aos olhos a “Primeira Missa”, de Vítor Meireles. Era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez… Houve o barulho de bandas de música, de bombas e girândolas, indispensável aos nossos regozijos; e houve também préstitos cívicos. Anjos despedaçando grilhões, alegorias toscas passaram lentamente pelas ruas. Construíram-se estrados para bailes populares; houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual Prefeitura, cercada de filhos, assistindo àquela fieira de numerosos soldados desfiar devagar. Devia ser de tarde, ao anoitecer.

Ela me parecia loura, muito loura, maternal, com um olhar doce e apie­dado. Nunca mais a vi e o imperador nunca vi, mas me lembro dos seus carros, aqueles enormes carros dourados, puxados por quatro cavalos, com cocheiros montados e um criado à traseira.

Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca co­nheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade, onde já os es­cravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.

Era bom saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na consciência de todos a in­justiça originária da escravidão.

Quando fui para o colégio, um colégio público, à Rua do Resende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado.

A professora, Dona Teresa Pimentel do Amaral, uma senhora muito inteligente, a quem muito deve o meu espírito, creio que nos explicou a significação da coisa; mas com aquele feitio mental de criança, só uma coisa me ficou: livre! livre!

Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos propósitos da nossa fantasia.

Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: “Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?”

Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!

Dos jornais e folhetos distribuídos por aquela ocasião, eu me lembro de um pequeno jornal, publicado pelos tipógrafos da Casa Lombaerts. Estava bem-impresso, tinha umas vinhetas elzevirianas, pequenos artigos e sonetos. Desses, dois eram dedicados a José do Patrocínio e o outro à princesa. Eu me lembro, foi a minha primeira emoção poética a leitura dele. Intitulava-se “Princesa e Mãe” e ainda tenho de memória um dos versos:

Houve um tempo, senhora, há muito já passado…

São boas essas recordações; elas têm um perfume de saudade e fazem com que sintamos a eternidade do tempo.

Oh! O tempo! O inflexível tempo, que como o Amor, é também irmão da Morte, vai ceifando aspirações, tirando presunções, trazendo desalentos, e só nos deixa na alma essa saudade do passado às vezes composta de coisas fúteis, cujo relembrar, porém, traz sempre prazer.

Quanta ambição ele não mata! Primeiro são os sonhos de posição: com os dias e as horas e, a pouco e pouco, a gente vai descendo de ministro a ama­nuense; depois são os do Amor ‒ oh! como se desce nesses! Os de saber, de erudição, vão caindo até ficarem reduzidos ao bondoso Larousse. Viagens… Oh! As viagens! Ficamos a fazê-las nos nossos pobres quartos, com auxílio do Baedecker e outros livros complacentes.

Obras, satisfações, glórias, tudo se esvai e se esbate. Pelos trinta anos, a gente que se julgava Shakespeare, está crente que não passa de um “Mal das Vinhas” qualquer; tenazmente, porém, ficamos a viver, esperando, esperan­do… o quê? O imprevisto, o que pode acontecer amanhã ou depois. Espe­rando os milagres do tempo e olhando o céu vazio de Deus ou deuses, mas sempre olhando para ele, como o filósofo Guyau.

Esperando, quem sabe se a sorte grande ou um tesouro oculto no quintal?

E maio volta… Há pelo ar blandícias e afagos; as coisas ligeiras têm mais poesia; os pássaros como que cantam melhor; o verde das encostas é mais ma­cio; um forte flux de vida percorre e anima tudo…

O mês augusto e sagrado pela poesia e pela arte, jungido eternamente à marcha da Terra, volta; e os galhos da nossa alma que tinham sido amputados – os sonhos enchem-se de brotos muito verdes, de um claro e macio verde de pelúcia, reverdecem mais uma vez, para de novo perderem as folhas, secarem, antes mesmo de chegar o tórrido dezembro.

E assim se faz a vida, com desalentos e esperanças, com recordações e saudades, com tolices e coisas sensatas, com baixezas e grandezas, à espera da morte, da doce morte, padroeira dos aflitos e desesperados…

(Do Blog IMS – Instituto Moreira Salles)


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