segunda-feira, 26 de junho de 2017

Histórias do Amor no Brasil



Namoro de Escarrinho

No século 16, as práticas amorosas eram cercadas de rígidas regras de conduta. O amor era visto como algo pecaminoso em Portugal e no Brasil. Acreditava-se que amar demais poderia causar doenças e mal-estares. Um escritor da época fez uma lista dos sintomas: “tristezas, suspiros, lágrimas sem motivo, síncopes, opressões, melancolias e raivas”. Até tratados sobre comportamentos eram escritos, como a Carta de Guia de Casados, de 1651. Para vencer essa vigília constante, situações e recursos dos mais variados eram usados a fim de iniciar um relacionamento. Alguns se submetiam a práticas pouco ortodoxas para chamar a atenção de seu objeto de desejo.

Já nos idos de 1700, os enamorados procuravam com frequência as igrejas. As cidades, muito pequenas, dificultavam a privacidade dos casais. Os flertes, então, ocorriam nas missas, um dos únicos eventos a que as mulheres podiam ir. Os rapazes lançavam olhares furtivos, risos e acenos desviando a atenção das moças e incitando a ira dos padres. As procissões e festas religiosas eram propícias para o início dos romances. Como na Quita-Feira Santa, na qual rapazes e moças esperavam o apagar das velas da igreja para se aproximar. No escurinho, trocavam beliscões e pisadelas como forma de afeto.

Para conseguir um bom par valia tudo: as cartas de amor eram recheadas de escritos carinhosos, com “benzinho da minh´alma”. Poemas, mimos e promessas de casamento eram recursos largamente utilizados. Alguns itens curiosos, como acessórios de cozinha, laranja e palmitos, serviam de presentes. Para burlar a vigilância dos pais, recorria-se a moleques de recado que marcavam encontros às escondidas.

Algumas técnicas mais radicais hoje soariam descabidas: feitiçaria, magias e pactos com o demônio não raro aconteciam. Bruxas especialistas nas práticas alcoviteiras eram largamente procuradas. Elas faziam as “cartas de tocar”, papeis escritos contendo o nome da pessoa que seduziam ao simples toque.

Também Deus era útil para se conquistar um par: repetir durante o ato sexual as palavras em latim que o padre dizia na missa teria o efeito de “prender” a pessoa perto de si.

No “namoro de bufarinheiro”, o pretendente agindo como bufarinheiro (mascate), aproveitava as procissões e passava pela janela da moça, distribuindo espertas piscadelas e gestos com as mãos e boca.

Outra prática comum era o “namoro de escarrinho”, no qual o galanteador se colocava sob a janela e começava a fungar, como se estivesse resfriado. Caso a moça respondesse com o mesmo gesto, dava-se início a um ritual pouco higiênico de conquista, regado a tossidas forçadas, narizes assoados e cuspidas no chão. Ninguém proferia uma única palavra.

(Do livro História do Amor no Brasil, de Mary Del Priore)

Em Brasil Almanaque de Cultura Popular,
de Elifas Andreato e João Rocha Rodrigues



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