segunda-feira, 5 de junho de 2017

O Drama de Angélica



(Alvarenga*/M.G.Barreto)

Ouve meu cântico, quase sem ritmo,
Que a voz de um tísico, magro esquelético,
Poesia épica, em forma esdrúxula,
Feita sem métrica, com rima rápida.

Amei Angélica, mulher anêmica,
De cores pálidas e gestos tímidos.
Era maligna e tinha ímpetos
De fazer cócegas no meu esôfago.

Em noite frígida, fomos ao Lírico
Ouvir o músico, pianista célebre.
Soprava o zéfiro, ventinho úmido,
Então, Angélica ficou asmática.

Fomos ao médico de muita clínica,
Com muita prática e preço módico.
Depois do inquérito, descobre o clínico
O mal atávico, mal sifilítico.

Mandou-me célere comprar noz vômica
E ácido cítrico para o seu fígado.
O farmacêutico, mocinho estúpido,
Errou na fórmula, fez despropósito.

Não tendo escrúpulo, deu-me, sem rótulo,
Ácido fênico e ácido prússico.
Corri mui lépido, mais de um quilômetro,
Num bonde elétrico de força múltipla.

O dia cálido deixou-me tépido,
Achei Angélica já toda trêmula.
A terapêutica, dose alopática,
Lhe dei em xícara de ferro ágate.

Tomou num fôlego, triste e bucólica,
Esta estrambólica droga fatídica.
Caiu no esôfago, deixou-a lívida,
Dando-lhe cólica e morte trágica.

O pai de Angélica, chefe do tráfego,
Homem carnívoro, ficou perplexo.
Por ser estrábico, usava óculos:
Um vidro côncavo o outro convexo.

Morreu Angélica de um modo lúgubre...
Moléstia crônica levou-a ao túmulo...

Foi feita a autópsia, todos os médicos
Foram unânimes no diagnóstico.
Fiz-lhe um sarcófago, assaz artístico,
Todo de mármore da cor do ébano.

E sobre o túmulo, uma estatística,
Coisa metódica como Os Lusíadas.
E numa lápide, paralelepípedo,
Pus esse dístico terno e simbólico:

“Cá jaz Angélica, moça hiperbólica,
Beleza Helênica, morreu de cólica!”


*Murilo Alvarenga (Itaúna, Minas Gerais, 22 de maio de 1911 - 18 de janeiro de 1978).

Ranchinho: Diésis dos Anjos Gaia (Jacareí, São Paulo, 23 de maio de 1912 - julho de 1991).

Alvarenga & Ranchinho


A dupla sertaneja começou a carreira em apresentações em circos no interior de São Paulo no final da década de 1920. Em 1934, eles foram contratados pelo maestro Breno Rossi para cantar na Rádio São Paulo e, dois anos depois, mudaram-se para o Rio de Janeiro, onde gravaram o primeiro compacto, em 1936, com a música “Itália e Abissínia” uma sátira sobre o conflito entre esses países. Trabalharam durante dez anos no Cassino da Urca, onde aprimoraram o talento para a sátira política, uma das principais características do duo Alvarenga e Ranchinho. Por causa das sátiras, participaram de dezenas de campanhas eleitorais e também acabaram presos diversas vezes. A dupla participou do primeiro filme falado feito em São Paulo, Fazendo Fita, em 1935, levada por Ariowaldo Pires, o Capitão Furtado. Fizeram participações em mais de 30 filmes.

Em 1939, Alvarenga e Ranchinho fizeram uma turnê pelo Rio Grande Sul. Nesse mesmo ano, passaram a se apresentar na Rádio Mayrink Veiga, onde receberam o título de “Os Milionários do Riso”, graças aos cada vez mais bem sucedidos esquetes cômicos.

A dupla original se desfez em 1965, quando Diésis do Anjos Gaia abandonou em definitivo a dupla. Sendo substituído por Delamare de Abreu e depois por Homero de Souza Campos. Na década de 1970, se apresentaram principalmente em cidades do interior. Em 1973, a gravadora RCA lançou “Os Milionários do Riso”, um LP ao vivo. Com falecimento de Alvarenga encerrou-se a dupla.
  
*Drama de Angélica está disponível na Internet na voz dos dois humoristas.

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