Demita-se esse vagabundo”
Regime militar, fins de 1968. Mais
uma caçada aos “alcoólatras, pederastas e subversivos” do Itamaraty, o
Ministério das Relações Exteriores. Vinicius de Moraes não escapou. Suas atividades
paralelas incomodavam colegas diplomatas. A poesia era até nobre, mas escrever
sambas e subir nos palcos das boates era demais. A carreira diplomática era
incompatível com a boemia criativa dos anos 1960. Foi o chanceler Magalhães
Pinto que recebeu o memorando expedido pelo presidente da República. “Assunto:
Vinicius de Moraes. Demita-se esse vagabundo. Ass. Arthur da Costa e Silva.” O
Poetinha soube em alto-mar, dentro da banheira de sua cabine no navio Eugenio
C. Dizem que chorou muito. Embora odiasse a burocracia do serviço público, gostava
do emprego. Com a demissão pôde dedicar-se ainda mais à música. Embarcou em
turnês e ampliou a já farta lista de parceiros. Ao lado de Toquinho, a partir
de 1970, tornou-se artista de palco. Também ao seu lado morreria, numa manhã de
julho de 1980. Deixou dezenas de livros e cerca de 500 músicas, entre elas
obras-primas como Chega de Saudade e Garota de Ipanema (ambas com Tom Jobim). Ironia
do destino: em 2003, quando completaria 90 anos, o Itamaraty preparou turnê com
suas canções. No roteiro, países de língua portuguesa. Perceberam, tarde
demais, que ninguém melhor que ele podia representar a cultura brasileira.
(Do livro “Brasil
Almanaque de Cultura Popular,
de Elifas Andreato e
João Rocha Rodrigues)
→ Na literatura e no teatro
Vinicius de Moraes deixou obras-primas, com destaque para a peça teatral “Orfeu
da Conceição”, escrita em 1954, baseada no drama da mitologia grega Orfeu e
Eurídice. A peça foi transformada no filme “Orfeu Negro”, em 1959, pelo diretor
francês Marcel Camus, alcançando repercussão mundial e conquistando a Palma de
Ouro no Festival Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Na literatura,
foram mais de 10 livros, com destaque para “Forma e Exegese”, “Cinco Elegias” e
“Poemas, Sonetos e Baladas”, também conhecido como “O Encontro do Cotidiano”,
publicado em 1946, que traz o poema “Soneto de Fidelidade”, que posteriormente
seria declamado junto com a música “Eu Sei que Vou Te Amar”. Sobre o poeta
Vinicius de Moraes escreveu Carlos Drummond de Andrade: “Vinicius é o único
poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia
em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”.
→ Vinicius de Moraes nasceu no
Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, e morreu na madrugada de 9 de julho de
1980, aos 67 anos, devido a problemas decorrentes de uma isquemia cerebral. Ele estava na companhia de seu grande amigo e parceiro musical, Toquinho, numa banheira, local que gostava muito de relaxar. Toquinho ficou segurando as suas mãos vendo o amigo partir lentamente...
Três sonetos de Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de
repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não
cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinicius de Moraes,
"Antologia Poética",
Editora do Autor, Rio
de Janeiro, 1960.
(Assinatura de
Vinicius de Moraes)
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