Foto: JM
Arruda/Ensaio ‘Malandros I’
(Falando de Ismael Silva)
No Bar Apolo e no Café do Compadre,
ele se juntaria a uma turma da pesada, criaturas que atendiam pelos nomes e alcunhas
de Brancura, Baiaco, Bide, Francelino, Julinho do Violão, Gaguinho, Geraldo
Vagabundo, Henrique Cabeça Grande, Mãozinha, Nanal, Nino do Estácio, João Mina
e Saturnino.
Alguns, naquele grupo, pegavam
pesado no batente. Na lista, tinha de bombeiro hidráulico a fundidor, de
feirante a lustrador de móveis, de torneiro mecânico a sapateiro. Mas o grosso
do pessoal vivia mesmo de biscates e eternas virações. Eram fortuitos jogadores
de chapinha, punguistas de ocasião, cafetões profissionais. Quase todos se
definiam, com muita honra e orgulho, pelo epíteto de “malandros”. Não viam
nisso nenhuma espécie de mancha moral. A malandragem, entendiam, era uma
maneira de não ceder à lógica perversa que condenava negros e mestiços à
mendicância, ao desemprego e à pobreza extrema.
Eram adeptos do chamado “samba duro”, da
velha “pernada carioca”, também conhecida como “batucada”. Nesse jogo unindo
música e luta física, os batuqueiros formavam uma roda e entoavam refrões em coro. Um jogador se
plantava no meio da roda com as pernas unidas e rijas, enquanto o adversário
gingava em torno dele, aguardando a ocasião propicia para lhe desferir a
“pernada” – podia ser tesoura, a banda de frente, a encruza, a banda jogada ou
qualquer outro tipo de golpe aplicado com a intensidade necessária para tentar
derrubá-lo.
Se o oponente caísse, estava fora,
desmoralizado, passando atestado de frouxo. Quem permanecia de pé trocava de
lugar e recebia o encargo de fazer o outro desabar de traseiro no chão. Os mais
seguros de si vestiam-se a caráter, como o típico terno branco de linho
irlandês S-120, o melhor tipo disponível na praça. Era como se, com isso,
proclamassem aos quatro ventos que não cogitavam a simples hipótese de vir a
cair e, por consequência, macular a roupa, considerada símbolo máximo da
malandragem.
Não à toa, viviam enrascados com a
polícia. A maioria deles foi presa e respondeu a inquéritos em mais de uma
oportunidade ao longo da vida. Em geral, faziam da valentia uma regra de
conduta. Mais tarde, seriam romantizados na figura do malandro folgazão, um
sujeito sempre simpático, sedutor incorrigível e anti-herói libertário,
invariavelmente boa-praça. Mas, na vida de carne e osso, as adversidades da
malandragem não ofereciam margens para apologias e idealizações idílicas.
Vários terminaram seus dias precocemente, em trocas de navalhadas e sangrentas
brigas de rua. Outros tiveram o organismo arruinado pela sífilis ou pela
tuberculose, moléstias adquiridas nas infindáveis noitadas de arruaças e
boemia.
(Do livro “Uma
História do Samba ‒ As Origens”, de Lira Neto – Companhia das Letras)
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