Stanislaw Ponte Preta
O cara que me contou esta história
não conhece o Gervásio, nem se lembra quem lhe contou. Eu também não conheço o
Gervásio nem quem teria contado a história ao cara que me contou, portanto,
conto para vocês, mas logo vou explicando que não estou inventando nada.
Deu-se que o Gervásio tinha uma
esposa desses ditas “amélias”, embora gorda e com bastante saúde. Porém, Madame
Gervásio não era de sair de casa, nem de muitas badalações. Um cineminha de vem
em quando e ela ficava satisfeita.
Mas deu-se também que o Gervásio fez
25 anos de casado e baixou-lhe um remorso meio chato. Afinal, nunca passeava, a
coitada, e, diante do remoer de consciência, resolveu dar uma de bonzinho e, ao
chegar em casa, naquele fim de tarde, anunciou:
‒ Mulher,
mete um vestido melhorzinho que a gente vai jantar fora!
A mulher nem acreditou, mas pegou a
promessa pelo rabo e foi se empetecar. Vestiu aquele do casamento da sobrinha e
se mandou com o Gervásio para Copacabana. O jantar ‒ prometia o Gervásio ‒
seria da maior bacanidade.
Em chegando ao bairro que o Conselheiro
Acácio chamaria de “floresta de cimento armado”, começou o problema da escolha.
O táxi rodava pelo asfalto e o Gervásio ia lembrando: vamos ao Nino's? Ao Bife
de Ouro? Ao Chauteau? Ao Antonio's? Chalet Suisse? Le Bistrô?
A mulher ‒ talvez por timidez ‒ ia
recusando um por um. Até que passaram em frente a um inferninho desses onde o
diabo não entra para não ficar com complexo de inferioridade. A mulher olhou o
letreiro e disse:
‒ Vamos
jantar aqui.
‒ Aqui??? ‒
estranhou Gervásio. ‒ Mas isto é um inferninho!
‒ Não importa ‒ disse a mulher. ‒ Eu
sempre tive curiosidade de ver como é um negócio desses por dentro.
O Gervásio ainda escabriu um
pouquinho, dizendo que aquilo não era digno dela, mas a mulher ponderou que ele
a deixara escolher e, por isso, era ali mesmo que queria jantar. Vocês
compreendem, né? Mulher-família tem a maior curiosidade para saber como é que as
outras se viram.
Saíram do táxi e, já na entrada, o
porteiro do inferninho saiu-se com “Boa-noite, Dr. Gervásio” marotíssimo.
Felizmente a mulher não ouviu. O pior foi lá dentro, o maitre d'hotel abriu-se
no maior sorriso e perguntou:
‒ Dr. Gervásio, a mesa de sempre? ‒ e foi logo
se encaminhando para a mesa de pista. Gervásio enfiou o macuco no embornal e
aguentou as pontas, ainda crédulo na inocência da mulher. Deu uma olhada para
ela, assim como quem não quer nada, e não percebeu maiores complicações. Mas a
insistência dos serviçais de inferninho é comovedora. Já estava o garçom ali ao
pé do casal, perguntando:
‒ A senhorita deseja o quê? ‒ e, para
o Gervásio: ‒ Para o senhor o uísque de sempre, não, Dr. Gervásio?
A mulher abriu a boca pela primeira vez,
para dizer:
‒ O Gervásio
hoje não vai beber. Só vai jantar.
‒ Perfeito ‒ concordou o garçom. ‒
Neste caso, o seu franguinho desossado, não é mesmo?
O Gervásio nem reagiu. Limitou-se a
balançar a cabeça, num aceno afirmativo. E, depois, foi uma dureza engolir
aquele frango que parecia feito de palha e matéria plástica. O ambiente foi
ficando muito mais para urubu do que para colibri, principalmente depois que o
pianista veio à mesa e perguntou se o Dr. Gervásio não queria dançar com sua
dama “aquele samba reboladinho”.
Daí para o fim, a única atitude
daquele marido que fazia 25 anos de casado e comemorava o evento foi pagar a
contar e sair de fininho. Na saída, o porteiro meteu outro “Boa-noite, Dr.
Gervásio”, e abriu a porta do primeiro táxi estacionado em frente.
Foi a dupla entrar na viatura e o
motorista, numa solicitude de quem está acostumado a gorjetas gordas, querer
saber:
‒ Para o
hotel da Barra, doutor?
Aí ela engrossou de vez:
‒ Seu moleque, seu vagabundo! Então é
por isso que você se “esforça” tanto, fazendo extras, não é mesmo? Responde,
palhaço!
O Gervásio quis tomar uma atitude
digna, mas o motorista encostou o carro, que ainda não tinha andado cem metros,
e lascou:
‒ Dr. Gervásio, não faça cerimônia: o
senhor querendo eu dou umas bolachas nessa vagabunda, que ela se aquieta logo.
*****
Fonte: SANTOS, Joaquim Ferreira
(Org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007,
p. 126-128.
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