domingo, 19 de março de 2017

Jesus a caminho do Calvário



Jesus caminha a custo. O espancamento exauriu-lhe as forças. Seu corpo está marcado por profundos sulcos roxos. Doem-lhe as articulações. A coroa de espinhos, que não lhe tiraram da cabeça, fere-o continuamente e o sangue lhe escorre vivo pelo rosto. Caminha curvado, arrastando o pesado madeiro, cambaleando, com a respiração opressa e o pulso acelerado e, após cento e poucos passos, titubeia, perde o equilíbrio e tomba, esmagado pelo fardo.

Jesus vem vindo, arrastando penosamente a cruz, e arrastando, mais pesada ainda, a procissão que se estende, que se desdobra atrás dele carregada de cólera. Está desfigurado. O sangue vivo cobre-lhe o semblante; mistura-se com a poeira do caminho e emplasta-se sobre os coágulos enegrecidos que mancham a barba. Cambaleia, hesita, dobra os joelhos, soergue-se em arrancos, num vagar minucioso de movimentos, marcado pela cadência da respiração que se entrecorta num ranger rouco de espasmos.

Ao chegar em frente à mulher, detém-se e fita-a. As mães conhecem esse olhar, quando seus filhos vão morrer. Conhecem-no, também, de certa forma, aqueles que foram, alguma vez, objetos de afeição máxima dos agonizantes.

A palavra humana não sabe reproduzir a tonalidade desse afeto dos moribundos. É um olhar que beija, que se despede, que pede desculpa pela dor que causa, que rememora toda uma existência e desperta em turbilhão todos os pormenores vividos e todos os sentimentos experimentados.

A mulher só tem duas palavras:

‒ Meu filho!

Essas palavras saem num grito e resumem a sensibilidade universal.

Jesus responde, a voz rouca, entrecortada de cansaços extremos:

‒ Minha... mãe.

  (Plínio Salgado “A vida de Jesus”)


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