quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Trovas de Jorge Murad


O teu modo de viver,
criticá-lo a mim não cabe:
não sei, não quero saber,
tenho raiva de quem sabe...

Você ‒ terceira pessoa?
Parece até brincadeira!
Para mim ‒ ora, essa é boa ‒
você ‒ é sempre a primeira.

Eu, que já fui coroinha,
em alto e bom som proclamo:
não troco qualquer raínha
pela "coroa" que eu amo...

Se o amor é um sacrifício,
não duvides nem um pouco:
iria até para o hospício,
para amar-te como um louco.

Os teus cílios, tua cor,
tuas unhas, teus feitiços,
e até mesmo o teu amor
são todos eles postiços...

Joias desaparecidas
não se encontram nunca mais,
mas as mulheres perdidas
a gente encontra demais...

Se amor se paga com amor,
como diz ditado antigo,
meu benzinho, por favor,
acerte as contas comigo!

Dançou um baião-de-dois
num forró a Dona Inês,
e nove meses depois
o baião era de três...

E o alfaiate explicou,
com palavras ressentidas:
‒ Já que o senhor não pagou,
tomarei outras medidas.

Um pau d'água renitente
diz, sobre o álcool: ora essa,
se ele mata lentamente,
não faz mal... Não tenho pressa.

Que a mulher tem duas caras,
isto não é mais segredo:
a primeira mostra às claras,
e a outra... de manhã cedo.

Peça por peça, uma artista,
na comédia, estuda à beça,
entretanto, na revista,
retira peça por peça...

No meio da rapaziada,
de cabeleira polpuda,
até a própria piada
é piada cabeluda...

Não há, no mundo, presente,
nenhuma coisa mais bela
que o que Deus, onipotente,
fez de uma simples costela...

‒ Estou esperando alguém!
Minha mulher me falou.
Pensei que fosse um neném,
mas era a sogra. Michou!

Quando conto uma piada,
não há riso que resista,
porque a sogra, coitada,
é sempre a protagonista.

Um garoto esfomeado,
tirando um caqui da cesta,
exclamou compenetrado:
‒ Tomate metido a besta!

A piada é uma desgraça,
quando a graça não contém;
a gente até acha graça,
da graça que ela não tem.

A cara da dona Rosa
tem tanto pé-de-galinha,
que ela anda receosa
do galo lá da vizinha...

Sobre a cova abandonada
do corneteiro Clemêncio,
há uma corneta calada,
que tanto tocou silêncio.

Para uma moça bonita,
perguntou certo paquera:
‒ É senhora ou senhorita?
‒ Senhorita, eu? Já era!

Se alguém me chamar de “pão”,
apesar de pitoresco,
fico fulo e com razão:
pão só é bom quando é fresco.

Há sempre um televizinho
no lar da viúva Aimée;
mas já corre um burburinho
de que ela não tem TV...

Diz o freguês, distraído,
ao garçom - que é de veneta:
‒ Não deixei nada esquecido?
‒ Não, senhor! Nem a gorjeta!

Fui contar à cozinheira
uma piada imoral
e ela me disse, fagueira,
que ainda faltava sal...

Um hospital de poesia
deveria ser montado,
assim para lá iria
o verso de pé quebrado...

‒ Vamos ao circo? ‒ disseste,
mas o encontro não se deu,
pois o bolo tu me deste,
e o palhaço banquei eu...

Quando passas no mercado,
um fruteiro que tem gosto,
olha todo embasbacado
para as maçãs do teu rosto.

Minha boca é a fechadura,
e o teu beijo a chave certa;
só teu beijo, criatura,
me deixa de boca aberta.

Seja de noite ou de dia,
quando por mim você passa
logo eu digo: ‒ Ave Maria!
Que moça cheia de graça!

Mexem contigo na rua,
piadas, ditos e graças,
mas a culpa é toda tua,
“mexes” demais quando passas.

Uma promessa ‒ que é fogo!
eu fiz à Virgem Maria:
que, se eu ganhasse no jogo,
nunca mais eu jogaria...

Amor é como pipoca,
sossegado no começo,
mas se o fogo se lhe toca,
vira a gente pelo avesso.

Acredite quem quiser,
se o meu casório malogra,
eu abandono a mulher
e caso com minha sogra...

A noiva fez tal dieta
para casar-se, afinal,
que a sua turma, indiscreta,
jogou-lhe arroz integral!



Do Blog “Falando de Trovas”

O maior portal de trovas do Brasil, desde 2005


Jorge Murad nasceu no Rio de Janeiro/RJ (antiga Guanabara) a 13 de abril de 1910, filho de libaneses: Murad Sallum Lasmar e Maria Antun Lasmar. Foi ator, radialista, compositor, humorista, trocadilhista, foi um homem de rádio, televisão e teatro com pleno destaque, além de excelente trovador.

Como se não bastara, foi também jogador de futebol, dos bons, tendo jogado com o célebre Leônidas da Silva, o "Diamante Negro". Como compositor teve inúmeras melodias carnavalescas de sucesso. No rádio manteve durante 28 anos o programa "Pensão do Salomão".

No cinema, trabalhou em filmes como "Alô, alô, Brasil" e "Estudantes", ao lado de famosos comediantes. Trabalhou em mais dez deles. Livros, deixou cinco: "Arak-said!", "Salomão a Varejo", "Anedotas de Papagaio', "Humuradas" e "Anedotas da Guerra'.

Faleceu em 25 de abril de 1998. Era irmão de Anís Murad, Magnífico Trovador. Como se nota, uma família com a arte no sangue.


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