Em seu livro “Maravilhosa Graça”,
Philip Yancey* conta uma história memorável que tem se reproduzido com muita
frequência em nossos dias, ela é sem dúvida uma Versão moderna da Parábola do
Filho Pródigo.
O retorno de uma filha
Uma jovem fora criada em um pomar de
cerejas na parte superior de Traverse City, no Michigan. Seus pais, um tanto
antiquados, costumavam reagir mal ao seu piercing no nariz, às músicas que
ouvia e ao comprimento de suas saias; de vez em quando eles a repreendiam e ela
fervia por dentro. “Odeio vocês!”, gritou para o pai quando ele bateu a porta
do quarto dela depois de uma discussão. Naquela noite, a jovem realizou um
plano que mentalmente já ensaiara dezenas de vezes. Ela fugiu de casa.
A jovem havia visitado Detroit apenas
uma vez, em uma viagem de ônibus com os jovens da igreja para assistir ao jogo
dos Tigers. Os jornais de Traverse City descreviam em chocantes detalhes as
gangues, as drogas e a violência na cidade de Detroit; ela concluiu que
provavelmente seria o último lugar onde seus pais a procurariam. Talvez na
Califórnia, ou na Flórida, mas não em Detroit.
No seu segundo dia ali, ela conheceu
um homem dirigindo o maior carro que já vira na vida. Ele lhe ofereceu carona,
pagou-lhe um almoço e arranjou um lugar para ela ficar. O homem deu-lhe alguns
comprimidos que a fizeram sentir-se melhor do que jamais se sentira. Ela se
sentiu ótima e concluiu: seus pais não permitiam que ela se divertisse.
A boa vida continuou durante um mês,
dois meses, um ano. O homem com o carrão ‒ ela o chamava de "chefe" ‒
ensinou-lhe coisas de que os homens gostam. Sendo menor de idade, os homens lhe
pagavam mais. Ela morava em um apartamento pequeno e podia encomendar o que
precisava. Ocasionalmente, pensava nos pais em casa, mas a vida deles lhe
parecia tão chata e provinciana que mal acreditava que fora criada ali.
Ela se assustou ao ver sua foto na
embalagem de leite com os dizeres: “Vocês viram esta criança?”. Agora, porém,
com o cabelo tingido de loiro, e com toda a maquiagem que usava, ninguém a
consideraria uma criança. Além do mais, a maioria dos seus amigos também fugira
de casa, e ninguém dava com a língua nos dentes em Detroit.
Depois de um ano, os primeiros
sintomas incipientes da enfermidade apareceram, e ela ficou surpresa com a
crueldade do chefe. “Hoje em dia, a gente não pode facilitar”, ele rosna; antes
que a jovem percebesse, estava na rua sem um tostão. Ela ainda conseguia ganhar
alguma coisa de noite, mas não lhe pagavam muito, e todo o dinheiro era usado para
manter o vício. Quando chegou o inverno, ela se encontrava dormindo nas grades
de metal do lado de fora de uma loja de departamentos. "Dormir" não é
a palavra certa -
uma adolescente sozinha na noite em Detroit não pode nunca baixar a guarda.
Estava com olheiras profundas. Sua tosse piorava.
Uma noite, ela se encontrava
acordada, atenta ao barulho de passos; de repente, tudo ao seu redor pareceu
diferente. Ela não se sentia mais como uma mulher do mundo. Sentia-se uma
menininha perdida em uma cidade fria e assustadora. Começou a soluçar. Seus
bolsos estavam vazios e estava com fome. Precisava de uma dose. Trêmula,
encolheu as pernas debaixo dos jornais que empilhara sobre o seu casaco. Alguma
coisa acionou uma série de lembranças e uma imagem preenchia sua mente: o mês
de maio em Traverse City ,
quando milhares de cerejeiras estão em flor todas ao mesmo tempo, e ela via seu
cachorro correndo no meio das fileiras das árvores em flor atrás de uma bola de
tênis.
Deus, por que eu fugi? - ela
disse para si mesma, e uma dor traspassa seu coração. Meu cachorro em casa come
melhor do que eu agora. A jovem estava soluçando e, imediatamente, percebeu que
desejava voltar para casa mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Três telefonemas, todos caindo na
secretária eletrônica. Nas duas primeiras vezes, ela desligou sem deixar uma
mensagem; na terceira, porém, disse: “Papai, mamãe, sou eu. Estive pensando em
voltar para casa. Estou pegando um ônibus e chegarei aí amanhã lá pela
meia-noite. Se vocês não estiverem me esperando, bem, acho que ficarei no
ônibus e irei para o Canadá”.
Foram sete horas de ônibus entre
Detroit e Traverse City; durante aquele tempo ela percebia os erros no seu
plano. E se os pais estivessem fora da cidade e nem tivessem ouvido a mensagem?
Não deveria ter esperado outro dia para poder falar com eles? E, mesmo que
estivessem em casa, provavelmente já a consideravam morta há muito tempo.
Deveria ter-lhes dado um tempo para se recuperarem do choque.
Seus pensamentos pulavam de lá para cá entre
as preocupações e o discurso que estava preparando para o pai. “Papai, sinto
muito. Sei que estava errada. A culpa não foi sua; foi minha. Papai, você pode
me perdoar?”. Ela repetiu as palavras muitas e muitas vezes, com a garganta
apertada enquanto as ensaiava. Nos últimos anos não havia pedido perdão a
ninguém.
O ônibus estivera andando com as
luzes acesas desde Bay City. Floquinhos de neve batem no calçamento desgastado
por milhares de pneus e o asfalto exala vapor. Ela havia esquecido como a noite
é escura lá fora. Um cervo cruzou a estrada como uma flecha e o ônibus deu uma
guinada. De vez em quando, aparecia um outdoor ao lado da estrada. Uma placa
indicava quantos quilômetros faltavam até Traverse City. Oh, Deus!
Quando o ônibus finalmente entrou na
rodoviária, os freios sibilando em protesto, o motorista anunciou no microfone:
“Quinze minutos, pessoal. É tudo quanto vamos gastar aqui”. Quinze minutos para
decidir sua vida. Ela se examinou em um espelhinho, alisou o cabelo e limpou o
dente manchado de batom. Olhou para as manchas de fumo nas pontas dos dedos e
ficou imaginando se os pais iriam perceber. Se estivessem lá.
A jovem entrou no saguão sem saber o
que esperar. Nenhuma das milhares de cenas que passaram por sua cabeça a
prepararam para aquilo que viu. Ali, naquele terminal de ônibus de paredes de
concreto e cadeiras de plástico de Traverse City, em Michigan, estava um grupo
de quarenta parentes, irmãos e irmãs, tios e primos, uma avó e uma bisavó para
recebê-la. Todos eles estavam usando chapeuzinhos de festa e assoprando apitos;
na parede do terminal havia um cartaz, dizendo: “Seja bem-vinda!”.
Da multidão que a recepciona irrompe
o papai. Ela olhou para ele através das lágrimas que brotavam dos seus olhos
como mercúrio quente e começou o discurso memorizado: “Papai, sinto muito. Eu
sei...”.
Ele a interrompeu. “Quieta, filhinha.
Não temos tempo para isso agora. Nada de pedidos de desculpas. Você vai chegar
atrasada na festa. Lá em casa há um banquete esperando por você.”
*****
*Philip Yancey (1949) é um
escritor e jornalista cristão americano. Seus livros venderam mais de 14
milhões de cópias, desde a sua estréia em 1977 e são lidos em 25 idiomas pelo
mundo todo, fazendo dele um dos mais vendidos autores cristãos.
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