Soneto retratando
Lamartine Babo de 1941
‒ Gozadíssima espécie de
esqueleto
De abundante matéria cerebral
Como é que o Babo cabe num soneto
Se enche, sozinho, a Rádio
Nacional?
Quem o vê, de canelas de graveto,
De um microfone ao pé, fino e
espectral,
Julgar ver duas hastes em dueto,
Sendo bem mais gordinha... a de
metal.
Certa vez, num bilhar, formou-se
um rolo:
Cascudos! Bofetões! Copos em
caco!
‒ E o Lamartine estava no bilhar.
Mas quem foi que falou que ele
era tolo?
‒ Calmamente escondeu-se atrás de
um taco.
E não houve ninguém que o fosse
achar!...
(Sebastião Fonseca)
→ Ao encomendar um caixão para um
conhecido que morrera, o dono da funerária perguntou ao Lalá:
‒ Quer que leve o caixão à sua casa ou o senhor já vai dentro?
→ Depois que o amigo foi
sepultado, Lamartine ainda se demorou um pouco no cemitério. Ao sair, já
anoitecendo, o porteiro falou:
‒ Fugindo, hein!.
→ Perguntado se entraria em um cemitério à meia-noite,
respondeu:
‒ Quando eu era muito magro entrava em sonhos, crente que
era uma das caveiras.
→ Ao chegar a uma esquina, contava, ouviu dois cachorros
conversando e olhando para ele:
‒ Se for para a direita, é seu; se for para a esquerda, é
meu.
→ Dizia frequentemente que era tão magro que seu pijama só
tinha uma listra.
→ Em madrugada de boêmia com Noel
Rosa, vindos de um baile na rua Ibituruna, no hoje bairro do Maracanã,
sobraçavam os dois garrafas de cerveja, quando se depararam com o leiteiro, por
volta das 4 horas. Seguiram-no e quando um litro de leite foi depositado no
portão de uma casa, os dois substituíram-no por uma garrafa de cerveja, com a
seguinte mensagem:
‒ Vai-te alimentando com a nossa cerveja, enquanto nos
envenenamos com teu leite.
→ Apresentado por um amigo a um admirador na Galeria
Cruzeiro:
‒ Este é o grande Lamartine Babo em carne e osso.
E Lalá:
‒ Exagero, exagero. Em osso só. Em osso só.
→ Quando, certa vez, lhe perguntaram que epitáfio
escolheria, respondeu:
‒ Aqui jaz um compositor que nunca gostou de jazz!
→ “Não quero busto quando morrer, prefiro ser vivo e
robusto”, costumava dizer.
→ Indagado sobre por que não ia
ao dentista, respondia que era um ás do rádio brasileiro. E vinha o trocadilho:
‒ Estou subindo sempre. Sou um ás-sem-dente.
→ Quando o médico chegou à sua cabeceira e, para animá-lo,
perguntou:
‒ Por que não aproveita para compor alguma coisinha agora
que você melhorou?
Ele respondeu:
‒ Logo agora, doutor, que estou me decompondo!
→ “Não tenho voz, propriamente,
tenho vez... E, assim sendo, destarte... a minha vez chegou”, dizia.
→ Ainda sobre sua magreza: era
tão magro que conseguia passar incólume entre os pingos da chuva, comentava.
→ Numa entrevista publicada em
agosto de 1936:
‒ Eu me achava um colosso. Mas um
dia, olhando-me no espelho, vi que não tenho colo, só tenho osso.
→ De certa feita, ao entregar um
telegrama no guichê dos Correios, notou que um dos funcionários batia com o
lápis, em código Morse ,
para o colega, referindo-se a Lamartine:
‒ Magro e feio.
E o Lalá, de lápis na mão, também
bateu em Morse:
‒ Magro, feio e ex-telegrafista.
‒ Você, Lamartine, assim
transparente, no meio de tantas moças, está querendo bancar o último varão
sobre a terra!
E o Lalá, prontamente:
‒ Varão não, meu amigo, varinha... varinha!
→ Dizia-se dele: “Poeta de poucos quilos e muitos quilates”.
→ Lalá, dirigindo-se a Ataulfo Alves que lhe pedia músicas
para o Carnaval de 1956:
‒ Todos dizem que o Lamartine está em decadência. Então
você me dê cadência que eu faço uma música.
→ Ao saber que a entrevista que
dera a um telejornal seria preterida pela cobertura que a emissora de TV fizera
da chegada do compositor Tom Jobim dos Estados Unidos, Lalá considerou:
‒ Quer dizer então que na verdade
eu estou um Tom abaixo?
Quem é?
Foi magro com
um palito.
Sem ser feio
nem bonito
Quando canta
é como o tordo...
Educado no
São Bento,
Ninguém lhe
nega talento,
Hoje, está,
dizem, mais gordo!...
Certa vez foi
a Formiga
Ver uma fã ‒
sua amiga ‒
E bancou ‒
dizem ‒ basbaque.
Por paixão ou
por pagode,
Ao voltar,
tal qual um bode,
Nos voltou
de... cavanhaque!
Digam-nos,
pois, logo à vista,
O nome do
grande artista.
→ Na homenagem póstuma prestada a
Lamartine no Teatro Municipal, a 1° de agosto de 1963, sob o patrocínio do
Jockey Clube Brasileiro e da Secretaria de Turismo do Estado da Guanabara, o
declamador Romeu Gonçalves, antigo amigo do Lalá, declamou da autoria do
compositor “Vida de solteiro, vida de casado”:
Vida de
solteiro...
um quarto
pouco farto
uma cama
um pijama
um par de
chinelos
meio par de
meia no chão
prontidão, sozinho...
quase sem
carinho!
Vida sem
compromisso
(ao menos...
há sinceridade nisso!)
Mas... os
dias são tão desencontrados...
‒ Que inveja
da vida dos casados!
Vida de
casado...
um quarto
uma cama,
outra cama
monograma
dois pares de
chinelos
dois lençóis
até que enfim
sós
mil castelos
lar... doce
lar...
hora do
almoço
hora do
jantar
um garoto, dois
garotos
três garotos,
um casal
dois casais, três
casais, quatro casais,
que santa
paz!
Dia 1° ‒ de
janeiro a janeiro
açougueiro...
vendeiro...
padeiro...
leiteiro...
leiteiro,
tintureiro, verdureiro!
Feira... 2ª
feira, 3ª feira, 4ª feira, 5ª feira
6ª feira,
sábado, feira, domingo, feira
prestação do
aparelho de televisão
prestação da
geladeira,
prestação da
enceradeira
briga com a
cozinheira
briga com a
lavadeira
rádio ligado
novela quase
o dia inteiro
jornal falado
programa de
auditório
“é a maior...
é a maior...”
Que berreiro
‒ que saudade
da vida de solteiro!
(Do livro “Tra-la-lá”, de Suetônio Valença)
Capa do Livro da primeira edição
23/1/1944 Rio de Janeiro, RJ
07/4/2006 Rio de Janeiro, RJ
Capa do Livro da primeira edição
Suetônio Soares Valença
23/1/1944 Rio de Janeiro, RJ
07/4/2006 Rio de Janeiro, RJ
O filólogo e pesquisador Suetônio Valença morreu nesta sexta-feira, 8 de abril
de 2006 de câncer, no Rio de Janeiro, aos 62 anos. Formado em Letras Clássicas
pela Universidade de Brasília, ele foi diretor do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, nos últimos anos, estava aposentado.
Deixa duas filhas e dois netos.
Foi autor de livros importantes
sobre o mundo do samba, como "Tra-la-lá" (biografia de Lamartine Babo, "Serra,
Serrinha, Serrano: o Império do Samba" (em parceria com Rachel Valença) e "Um
Escurinho Direitinho", (sobre Geraldo Pereira, com Luiz Fernando Vieira e Luís
Pimentel.
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