Caio Fernando Abreu
Imaginem
um mundo de coisas limpas e bonitas, onde a gente não seja obrigado a fugir,
fingir ou mentir, onde a gente não tenha medo nem se sinta confuso (não haverá
a palavra nem a coisa confusão, porque tudo será nítido e claro), onde as
pessoas não se machuquem umas às outras, onde o que a gente é apareça nos
olhos, na expressão do rosto, em todos os movimentos ‒ acrescentem a esse mundo
os detalhes que vocês quiserem (eu me satisfaço com um rio, macieiras
carregadas, alguns plátanos e uma colina ‒ ou coxilha, como se diz aqui no Sul
‒ no horizonte), depois convidem pessoas azuis para se darem as mãos e fazerem
uma grande concentração para concretizar esse mundo ‒ e, então, quando ele
estiver pronto, novo e reluzente como se tivesse sido envernizado, então nós
nos encontraremos lá e eu não precisarei explicar nada, nem contar nenhuma
estória escura, porque estórias claras estarão acontecendo à nossa volta e nós
estaremos sendo aquilo que somos, sem nenhuma dureza, e o que fomos ficou
dependurado em algum armário embutido, junto com sapatos (quem precisará deles
para pisar na grama limpa dessa terra?), roupas e enfeites (quem precisará de
panos, contas ou cores na terra onde o ar será colorido e enfeitará nossos
corpos?) ‒ lá, eu digo, nós nos encontraremos entre centauros, sereias,
unicórnios e duendes, e sem dizer nada, com um olhar verde (uma das minhas
grandes frustrações sempre foi não ter olho verde ‒ mas lá eu terei) eu direi o
quanto gosto de vocês, e voaremos de tanta boniteza ‒ combinado?
Caio Fernando Loureiro de Abreu nasceu em 12/09/1948, em Santiago, RS.
Jornalista e escritor, reconhecido como um dos expoentes de sua geração. Ainda
jovem foi morar em Porto
Alegre , onde cursou Letras e Arte Dramática na UFRGS, mas
abandonou tudo para ser jornalista. Trabalhou nas revistas Nova, Manchete, Veja
e Pop, foi editor da revista Leia Livros e colaborou em diversos jornais:
Correio do Povo, Zero Hora, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo. (...)
Seu estilo é econômico e bem pessoal, fala de sexo, medo, morte e,
principalmente, de angustiante solidão. Apresenta uma visão dramática do mundo
moderno e é considerado um "fotógrafo da fragmentação contemporânea".
Faleceu em 25/02/1996, devido a Aids.
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