Em 1980, a Escola de Samba
Unidos de Vila Isabel levou para Marquês de Sapucaí um samba de protesto muito lindo.
Um tiro na ditadura, naquela época já no seu período cambaleante. Por isso, vos
digo; Não deixem a Vila morrer, não deixem a Vila acabar!
Gel Graúna, Rodolpho,
Beto Sem Braço, Martinho da Vila.
Martinho da Vila por Baptistão
Sonhei, que estava sonhando um sonho, sonhado,
o sonho de um sonho, magnetizado.
As mentes abertas, sem bicos
calados,
juventude alerta, os seres
alados.
Sonho meu, eu sonhava que
sonhava. (bis)
Sonhei, que eu era o rei e que reinava como um ser comum,
era um por milhares, milhares por
um,
como livres raios riscando os
espaços,
transando o universo e limpando
os mormaços.
Ai de mim, ai de mim que mal
sonhava. (bis)
Na limpidez do espelho só vi coisas limpas,
como uma lua redonda brilhando
nas grimpas,
um sorriso sem fúria,
entre réu e juiz,
a clemência e a ternura por amor
da clausura,
a prisão sem tortura, inocência
feliz...
Ai meu Deus, falso sonho que eu
sonhava,
ai de mim, eu sonhei que não
sonhava...
Mas sonhei.
Variação do poema Sonho de um sonho
Sonho de um
sonho foi o samba enredo da escola de Samba de Vila Isabel, em 1980, escrito
por Martinho da Vila. É uma variação do poema de Carlos Drummond de Andrade de
mesmo nome.
É preciso
mesmo ser um artista-poeta-cantor, para captar a poética dos versos de Drummond
e transformá-la em uma nova poesia, e ainda por cima colocar ritmo e voz
melodiosa para encantar...
São versos
revolucionários desses dois poetas. O Martinho, comunista. O Drummond, dizia-se
marxista do pescoço para baixo...
Poesia
sempre revoluciona os corações.
Sonho de um sonho
(Carlos Drummond de
Andrade)
Sonhei que estava sonhando
e que no meu sonho havia
outro sonho esculpido.
Os três sonhos sobrepostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.
Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço.
Sonhava que estava alerta,
e mais do que alerta, lúdico,
e receptivo, e magnético,
e em torno a mima se dispunham
possibilidades claras,
e, plástico, o ouro do tempo
vinha cingir-me e dourar-me
para todo o sempre, para
um sempre que ambicionava
mas de todo o ser temia...
Ai de mim! que mal sonhava.
Sonhei que os entes cativos
dessa livre disciplina
plenamente floresciam
permutando no universo
uma dileta substância
e um desejo apaziguado
de ser um ser com milhares,
pois o centro era eu de tudo
como era cada um dos raios
desfechados para longe,
alcançando além da terra
ignota região lunar,
na perturbadora rota
que antigos não palmilharam
mas ficou traçada em branco
nos mais velhos portulanos
e no pó dos marinheiros
afogados em mar alto.
Sonhei que meu sonho vinha
com a realidade mesma.
Sonhei que o sonho se forma
não do que desejaríamos
ou de quanto silenciamos
em meio a ervas crescidas,
mas do que vigia e fulge
em cada ardente palavra
proferida sem malícia,
aberta como uma flor
se entreabre: radiosamente.
Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era toca-lo e colhe-lo,
e sem demora sorve-lo,
gasta-lo sem vão receio
de que um dia se gastara.
Sonhei certo espelho límpido
com a propriedade mágica
de refletir o melhor,
sem azedume ou frieza
por tudo que fosse obscuro,
mas antes o iluminando,
mansamente convertendo
em fonte mesma de luz.
Obscuridade! Cansaço!
Oclusão de formas meigas!
Ó terra sobre diamantes!
Já vos libertais, sementes,
germinando à superfície
deste solo resgatado!
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