Jorge Luiz Borges revelou alguns de
seus truques: “O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos, que
têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos,
argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir as palavras habituais às
palavras extravagantes; intercalar num relato rasgos circunstanciais, exigidos
agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que se a realidade é precisa
a memória não o é; narrar os fatos (isso aprendi em Kipling e nas sagas da
Islândia) como se não os entendesse totalmente; recordar que as normas
anteriores não são obrigações e que o tempo se encarregará de aboli-las.”
No seu livro A vida de escritor Gay Talese usa todos os truques, costura textos
e velhas histórias. O resultado é saboroso. O livro é uma peça poderosa e
inteiriça, escrita pelo filho que se inspira no pai alfaiate:
“Ele fazia terno ponto por ponto,
evitando o uso de uma máquina de costura, porque queria sentir a agulha em seus
dedos ao trabalhar um corte de seda ou lã, e avançava a uma velocidade de lesma
na costura de um ombro ou de uma manga. Se qualquer trabalho seu não alcançava
o nível que ele definia como perfeito,
punha-o de lado e recomeçava. Ele esperava criar a ilusão de uma roupa
inconsútil, alcançar a expressão artística com agulha e linha.”
Em seguida à apuração, escrever não é
menos penoso: “Produzo texto com facilidade comparável a de um paciente que
expele pedra pelos rins” – conta Gay Talese.
A propósito de truques e astúcias,
Nelson Werneck Sodré recolheu as artimanhas de Konstantin Paustovsky, que
também “expelia pedras pelos rins” para escrever:
“Uma comparação deve ser precisa
como uma régua de cálculo e natural como o perfume do feno. Sim, esqueci de
dizer que, antes de eliminar as escórias verbais, divido o texto em frases
ligeiras. O mais possível de pontos! Essa é uma regra que incorporaria em lei
do Estado, para uso dos escritores. Cada frase corresponde a um pensamento, a
uma imagem, não mais. Assim, não tenha medo dos pontos. Talvez, minhas frases
sejam muito curtas. Isso se explica, em parte, pela minha asma. (...)
Esforço-me para banir do manuscrito quase todos os particípios e gerúndios, e
não deixo senão os mais indispensáveis. Os particípios tornam a língua
angulosa, sombria e matam a melodia. Rangem como carroças que rodam sobre um
piso de pedras. Empregar três particípios numa frase leva à morte do estilo...
o gerúndio é, apesar de tudo, mais ligeiro do que o particípio. Confere, às
vezes, à língua algo aéreo. Mas o abuso do gerúndio a torna flácida e
esganiçante. Considero que o substantivo não exige senão um adjetivo, o melhor
escolhido. Só um gênio pode se permitir dois adjetivos para o mesmo
substantivo. Em prosa, o traço deve ser firme e nítido como uma gravura.”
Essa receita tem tudo a ver com os
truques de Borges – evitando sinônimos e preferindo palavras habituais, entre
outras confessadas – e de Gay Talese – construindo textos sem costuras
aparentes como fazia seu pai com os ternos – expelindo as pedras que vestirão
com graça a elegância suas histórias.
Depois de horas nesse suplício,
“diariamente, quase sempre sem domingos”, Talese tem encontrado distração
jantando fora em restaurantes movimentados, que não por acaso são cenários
centrais do livro: “extensões do proscênio, palcos de tramas e improvisações,
de encontros românticos e relacionamentos ilícitos”. Nessas incursões
cotidianas, Talese acredita ter descoberto os ingredientes secretos de todos os
restaurantes: “Esperança, confiança e otimismo. A esperança de que as pessoas
gostem do que é servido. A confiança em que reconheçam o trabalho e paguem a
conta. E o otimismo de supor que o investimento seja compensador e
recompensador, não só aos donos do restaurante”.
Na verdade, são os mesmos
ingredientes que o obstinado Gay Talese utilizou para produzir o esplêndido
livro Vida de escritor.
(Partes do livro
“Memória do Anonymus Gourmet”,
de J. A. Pinheiro Machado)
de J. A. Pinheiro Machado)
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