A exumação dos restos mortais do nosso antigo monarca
lança luzes sobre sua biografia.
Peter Moon*
Quem foi o imperador Dom Pedro I?
A pergunta não é trivial, nem é óbvia a resposta. Os brasileiros aprendem, já
na infância, que ele declarou a Independência e foi o primeiro governante do
país. Não é o que aprendem os portugueses, que o conhecem como Dom Pedro IV,
rei de Portugal e Algarves. A memória de Pedro I é repleta de contradições. Ele
foi um filhinho de papai inconsequente ou um fantoche da aristocracia carioca?
Um militar heroico ou um cavaleiro desastrado?
A personalidade do príncipe europeu
que se tornou o primeiro soberano de um improvável império tropical é cheia de
nuances – na vida privada, foi descrito como mulherengo, libertino e marido
violento. Esse quadro recebeu novos contornos graças à exumação de seus restos
mortais, preservado no Monumento do Ipiranga, em São Paulo , de acordo com
uma reportagem do jornal O Estado de
S.Paulo. O trabalho foi realizado pela arqueóloga Valdirene Ambiel, de 42
anos, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Ela
trabalhou por três anos, à frente de uma equipe que envolveu técnicos em
preservação e médicos do Hospital das Clínicas. Depois de obtida a autorização
da família real para o estudo, de fevereiro a setembro de 2012, os túmulos de
Pedro I e suas mulheres, a imperatriz Leopoldina e Dona Amélia, foram abertos.
Os caixões foram em seguida transportados de madrugada para sessões de
tomografia e ressonância magnética. Os resultados preliminares começam a
reconstruir a imagem do imperador.
Pedro de Alcântara Francisco António
João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano
Serafim de Bragança e Bourbon nasceu em 1798. Era filho de Dom João VI e
Carlota Joaquina. Tinha 9 anos quando Portugal foi invadido por tropas
napoleônicas. Isso forçou a vinda da família real ao Brasil. Foi no Rio de
Janeiro que ele passou a adolescência e chegou à vida adulta. Em 1821, João
voltou a Portugal e aqui manteve o filho como regente. Em 1822, o rei quis
retirar a autonomia política que o Brasil gozava desde 1808. Pedro aliou-se à
descontente burguesia colonial e declarou a Independência brasileira. Foi
imperador por sete anos. Em 1829, Pedro I abdicou em favor de seu filho e
voltou a Portugal, onde reinou como Pedro IV até morrer de tuberculose em 1834,
aos 35 anos. Em 1972, o governo brasileiro trouxe ao Brasil os caixões de Pedro
I e Amélia. Eles se juntaram ao de Leopoldina, a imperatriz que morreu no Rio
em 1826. Seus restos estavam na cripta do Ipiranga desde 1954.
Por quase 200 anos, Pedro I foi
retratado como alto e esguio, figura em franca contraposição a seu pai, João
VI, um baixinho e rechonchudo. Uma novidade da exumação do cadáver de Pedro I é
que sua estatura não era tão altaneira. Para os padrões atuais, ele era baixo.
Media entre 1,66 metro
e 1,73 metro .
Outra evidência é a ausência de toda e qualquer brasilidade do defunto. Ao
contrário do que ocorreria com Pedro II, que, antes de morrer no exílio, em
1891, pediu para ser enterrado com um torrão de sua terra natal, Pedro I não
levou ao túmulo nenhuma evidência de que um dia governara o Brasil. Foi
enterrado com farda, medalhas e comendas portuguesas. Também caiu por terra a
imagem de exímio cavaleiro. A evidência são quatro costelas quebradas. Duas
romperam numa queda de cavalo, outras duas num tombo de carruagem. As fraturas
podem ter afetado a capacidade de um dos pulmões e contribuído para a
tuberculose que o matou.
As revelações não são de todo
desabonadora. Um dado que favorece Pedro I foi obtido no estudo de Leopoldina.
Nela, não foi constatada nenhuma fratura no fêmur. Isso desmente a hipótese de
que ela teria morrido em consequência de um pontapé do marido. Pedro I foi um
marido infiel, que relegava a mulher em troca dos favores da marquesa de
Santos. Mas pode não ter sido violento como se imaginava. Leopoldina também não
era uma gordota desprovida de encantos. Seu cadáver atesta que era magra. Se
foi retratada como gorducha, a razão podem ter sido as gestações frequentes. Em
nove anos de Brasil, engravidou nove vezes. Outra surpresa das exumações é o
cadáver de Dona Amélia. Está mumificado. Cabelos, unhas e cílios estão preservados.
O estudo só começou. Seu dividendo
imediato foi a constatação do descaso a que era relegado o cadáver de Pedro I.
Infiltrações no monumento destruíram seu caixão e suas botas. A umidade resultante
criou fungos brancos que cobriam o cadáver. Esses, ao menos, já foram
retirados.
A ossada de Dom Pedro
I
Revista Época,
fevereiro de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário