sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A verdade sobre o imperador



A exumação dos restos mortais do nosso antigo monarca
lança luzes sobre sua biografia.

Peter Moon*

Quem foi o imperador Dom Pedro I? A pergunta não é trivial, nem é óbvia a resposta. Os brasileiros aprendem, já na infância, que ele declarou a Independência e foi o primeiro governante do país. Não é o que aprendem os portugueses, que o conhecem como Dom Pedro IV, rei de Portugal e Algarves. A memória de Pedro I é repleta de contradições. Ele foi um filhinho de papai inconsequente ou um fantoche da aristocracia carioca? Um militar heroico ou um cavaleiro desastrado?

A personalidade do príncipe europeu que se tornou o primeiro soberano de um improvável império tropical é cheia de nuances – na vida privada, foi descrito como mulherengo, libertino e marido violento. Esse quadro recebeu novos contornos graças à exumação de seus restos mortais, preservado no Monumento do Ipiranga, em São Paulo, de acordo com uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. O trabalho foi realizado pela arqueóloga Valdirene Ambiel, de 42 anos, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Ela trabalhou por três anos, à frente de uma equipe que envolveu técnicos em preservação e médicos do Hospital das Clínicas. Depois de obtida a autorização da família real para o estudo, de fevereiro a setembro de 2012, os túmulos de Pedro I e suas mulheres, a imperatriz Leopoldina e Dona Amélia, foram abertos. Os caixões foram em seguida transportados de madrugada para sessões de tomografia e ressonância magnética. Os resultados preliminares começam a reconstruir a imagem do imperador.

Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon nasceu em 1798. Era filho de Dom João VI e Carlota Joaquina. Tinha 9 anos quando Portugal foi invadido por tropas napoleônicas. Isso forçou a vinda da família real ao Brasil. Foi no Rio de Janeiro que ele passou a adolescência e chegou à vida adulta. Em 1821, João voltou a Portugal e aqui manteve o filho como regente. Em 1822, o rei quis retirar a autonomia política que o Brasil gozava desde 1808. Pedro aliou-se à descontente burguesia colonial e declarou a Independência brasileira. Foi imperador por sete anos. Em 1829, Pedro I abdicou em favor de seu filho e voltou a Portugal, onde reinou como Pedro IV até morrer de tuberculose em 1834, aos 35 anos. Em 1972, o governo brasileiro trouxe ao Brasil os caixões de Pedro I e Amélia. Eles se juntaram ao de Leopoldina, a imperatriz que morreu no Rio em 1826. Seus restos estavam na cripta do Ipiranga desde 1954.

Por quase 200 anos, Pedro I foi retratado como alto e esguio, figura em franca contraposição a seu pai, João VI, um baixinho e rechonchudo. Uma novidade da exumação do cadáver de Pedro I é que sua estatura não era tão altaneira. Para os padrões atuais, ele era baixo. Media entre 1,66 metro e 1,73 metro. Outra evidência é a ausência de toda e qualquer brasilidade do defunto. Ao contrário do que ocorreria com Pedro II, que, antes de morrer no exílio, em 1891, pediu para ser enterrado com um torrão de sua terra natal, Pedro I não levou ao túmulo nenhuma evidência de que um dia governara o Brasil. Foi enterrado com farda, medalhas e comendas portuguesas. Também caiu por terra a imagem de exímio cavaleiro. A evidência são quatro costelas quebradas. Duas romperam numa queda de cavalo, outras duas num tombo de carruagem. As fraturas podem ter afetado a capacidade de um dos pulmões e contribuído para a tuberculose que o matou.

As revelações não são de todo desabonadora. Um dado que favorece Pedro I foi obtido no estudo de Leopoldina. Nela, não foi constatada nenhuma fratura no fêmur. Isso desmente a hipótese de que ela teria morrido em consequência de um pontapé do marido. Pedro I foi um marido infiel, que relegava a mulher em troca dos favores da marquesa de Santos. Mas pode não ter sido violento como se imaginava. Leopoldina também não era uma gordota desprovida de encantos. Seu cadáver atesta que era magra. Se foi retratada como gorducha, a razão podem ter sido as gestações frequentes. Em nove anos de Brasil, engravidou nove vezes. Outra surpresa das exumações é o cadáver de Dona Amélia. Está mumificado. Cabelos, unhas e cílios estão preservados.

O estudo só começou. Seu dividendo imediato foi a constatação do descaso a que era relegado o cadáver de Pedro I. Infiltrações no monumento destruíram seu caixão e suas botas. A umidade resultante criou fungos brancos que cobriam o cadáver. Esses, ao menos, já foram retirados.


A ossada de Dom Pedro I

Revista Época, fevereiro de 2013.



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