Pardal Mallet
Em 1889, o jornalista João Carlos
Pardal Mallet desafiou Olavo Bilac a um duelo, ofendido com a saída do poeta do
jornal A Rua, sob sua direção. Marcado para 19 de setembro, o confronto foi
adiado duas vezes porque a polícia os vigiava. Finalmente, no dia 24 de
setembro, Pardais Mallet e Bilac, sem testemunhas, se enfrentaram com espadas.
A luta durou apenas 4 segundos. Mallet foi ferido na barriga, sem gravidade.
Foi o bastante para que, conforme as normas do duelo, a luta terminasse.
Olavo Bilac
O duelo romanceado
Bilac ria sozinho ao se lembrar da
história. Ela vinha enriquecer sua teoria de que os poetas não eram seres
etéreos, desligados do mundo, mas homens de carne e osso, capazes de covardia
ou bravura conforme o caso. O que lhe trouxe à memória seu inacreditável duelo
com Pardal Mallet em 1889, um dois meses antes da Proclamação da República.
Não fora um duelo de mots d´esprit, nem de rimas nem de
copos, como era comum – mas um duelo para valer, a espada, que terminara em sangue. E olhe que Bilac
e Pardal eram amigos do peito, colegas de redação, passavam dia e noite juntos
rindo na Ouvidor. O motivo, aliás, fora o Cidade
do Rio. Pardal Mallet deixara o jornal de José do Patrocínio para fundar o
seu próprio jornal, A Rua, e levara
Bilac consigo. Mas Bilac não conseguia ficar muito tempo longe de Patrocínio,
sua maior admiração. Logo voltou para o Cidade
do Rio e, o que é pior, rebocou os colegas que tinham ido com ele. A Rua fechou.
Na Paschoal, que eles ainda frequentavam,
Pardal culpou Bilac pelo fracasso de sua folha. Os dois discutiram e se
mimosearam com expletivos:
“Suja-laudas!”, vociferou Pardal.
“Troca-tintas!”, invectivou Bilac.
“Pelintra!’, bramiu Pardal.
“Biltre!”, berrou Bilac.
“Caolho!”, rugiu Pardal.
“Cínico! Patife! Torpe! Vil!
Embusteiro! Não sei estou que não lhe parto a cara!”, ejaculou Bilac.
Espelhos tremeram, os pingentes dos
lustres repicaram e temeu-se pela sorte do célebre empadário. Dois ou três
amigos acudiram com os panos quentes. Bilac pôs-se de perfil e foi taxativo:
“Não tenho prateleira para guardar
insultos!”
Se houvesse ali uma bate-barbas,
Bilac levaria a pior, por não usar barbas, ao passo que Pardal cultivava um
belo cavanhaque louro. E uma briga a bengaladas, com as maçarandubas de castão
de chumbo, estava fora de questão entre dois homens que, minutos antes,
amavam-se como irmão. Então Bilac e Pardal tiraram as luvas, esbofetearam-se
mutuamente e levaram a querela para o campo de honra.
(...)
Protegidos pela madrugada, cada qual
no seu tilburi, os dois tomaram rumo da Lapa, para a casa de um amigo na rua do
Riachuelo. Como combinado, o amigo os recebeu e saiu em busca de um médico, com
instruções de ficar à espera na rua e só entra quando fosse chamado. O duelo
seria ao primeiro sangue – ou seja, até que um dos dois fosse ferido.
(...)
Sem outra palavra, resignados e já
com saudades de si mesmos, despiram os casacos, coletes, gravatas, colarinhos,
punhos e camisas. De peito nu e calças presas pelos suspensórios, fecharam as
cortinas, afastaram os móveis e escolheram os floretes. Cumprimentaram-se
tristes e sem se olhar. Deram dois passos para trás, brandiram as lâminas e
avançaram.
Mas nenhum dos dois era d´Artagnan.
O Rio também não era Paris e a chué rua Riachuelo não era o Jardim de
Luxemburgo. Na verdade, à luz do gás que ampliava suas sombras, o maior risco
era o de um daqueles espadachins de araque furar o olho ou o braço ou o baço do
outro sem querer. Por sorte, o combate durou apenas quatro segundos.
No primeiro bote de Bilac, pardal
esqueceu-se de saltar de lado e a espada do poeta atingiu-o de raspão, sob a
última costela. Pálido de espanto, Bilac viu sangue no amigo. Atirou longe o
florete e partiu aos prantos para socorrê-lo. Pardal deixou-se abraçar, beijar
e ensopar-se pelas lágrimas do poeta. Bilac carregou-o nos braços, depositou-o
no sofá e correu para a rua, despenteado e seminu, clamando pelo dono da casa e
pelo médico.
Não um, mas três médicos estavam de
prontidão com o amigo, na calçada da rua do Riachuelo. Um deles tratou do
ferimento de Pardal, o que lhe tomou apenas alguns segundos, e cuidou de
acalmar Bilac, o que lhe tomou muito mais tempo. Os outros dois lavraram um
atestado certificando que o sr. Pardal Mallet fora ferido em duelo pelo sr.
Olavo Bilac e que, com isso, estavam ambos desagravados e podiam voltar a ser
amigos.
Com o dia quase amanhecendo, Bilac e
Pardal saíram abraçados e felizes pela rua rumo ao Largos da Carioca, flertando
com as últimas estrelas e chutando cambucás podres pelo caminho. De repente, o
Rio era Paris e eles, dois bravos
mosqueteiros de Dumas pére. Sim, a
vida é que era adorável.
(Do livro “Bilac vê
estrelas”, de Ruy Castro)
Duelo entre cavalheiros
Horas depois de proclamada a
República, o jornalista João Carlos Pardal Mallet entrou eufórico na redação do
jornal Cidade do Rio e abraçou, com emoção cívica, o poeta Olavo Bilac. Quem
visse a cena jamais imaginaria que, há menos de dois meses, os dois amigos
cruzavam armas em duelo. O
desafio partiu de Pardal Mallet, 25 anos, ofendido com a saída de Bilac, 24
anos, do jornal A Rua, sob sua direção. Marcado de início para 19 de setembro,
o combate teve de ser adiado duas vezes porque a polícia, disposta a fazer
cumprir a proibição que tenta pôr fim à moda dos duelos, vigiava de perto os
padrinhos. Finalmente, no dia 24, ao nascer do dia, Pardal Mallet e Bilac se
enfrentaram, sem testemunhas, espada na mão. Durou apenas quatro segundos a
refrega: logo na primeira estocada, Mallet foi ferido na barriga, sem
gravidade. Era o bastante para que, conforme as regras, a luta terminasse aí. O
difícil, para os dois contendores, for disfarçar o alívio que sentiram.
(Veja na História)
Raul Pompeia
Em 1892, Olavo Bilac e o escritor
Raul Pompeia (1863-1895) tiveram uma grande desavença. Um texto de uma revista
dirigida por Bilac criticou Pompeia. Acusava-o de sofrer de "amolecimento
cerebral" por masturbar-se muito à noite ao lembrar-se de beldades que via
na rua. Pompeia, que tinha dificuldades com as mulheres, revidou dizendo que o
seu desafeto (Bilac) era "marcado pelo estigma do incesto". Era uma
referência a Bilac, que dizia não precisar de filhos, pois já tinha seu
sobrinho. Para resolver a questão, organizaram um duelo de espada, que não foi
realizado.
Entre Eros e Tânatos: o duelo de Olavo Bilac com Raul
Pompeia
Luiz Roberto Benatti
Enquanto que o Rio de Janeiro
imperial arrumava-se para vestir-se com o dólmã republicano, dividiam-se nos
bares, nas ruas e nos lares florianistas de antiflorianistas. Poetas e
escritores bebericavam ou se embriagavam à tarde nos grandes botecos recortados
à moda francesa: Mallet, Pompeia, Bilac. A Confeitaria Cailteau, da Rua do
Ouvidor, era a Petiskeira desses escritores boêmios. Mais tarde, mordido por cobra
pernambucana, Bandeira os chamou de parnasianos aguados. Bilac cofiava o bigode
vasto como se fosse um Salvador Dali carioca; Pompeia corrigia o prumo do
pince-nez míope. Escreviam para as revistas da moda lidas em particular por
charmosas moças pré-casadoiras. Havia sempre alguém para arrumar o salão para a
dança dos desafetos. Numa dessas ocasiões, Oscar Rosas cobriu na redação do
Jornal do comércio a ausência etílica de Bilac (março de 1892) e escreveu que
Pompeia gostava de se masturbar em seu quarto solitário, à noite e numa cama
fresca, amoroso e sensual, inspirado na recordação das beldades entrevistas
durante o dia. O bicho mordeu Pompeia que se fechou no mutismo esquizoide,
prometeu vingança e, tanto fez, que armou o duelo. Pistola ou espada? No contra-ataque,
Pompeia escreveu que Bilac cometia incesto com um sobrinho. A fofoca permite
que Tânatos saia da caverna escura e venha gritar aqui fora que somos todos
santos de pau oco. Vai daqui, vai de lá, sempre que a dupla vingadora anunciava
dia e hora do duelo em tal ou qual lugar, a polícia chegava antes para impedir
o homicídio. Escolheram a espada, embora não soubessem manejá-la, porque nela a
peleja cessa tão logo um dos contendores atinja o outro ainda que seja de modo
leve. Três anos depois, mortificado por artigo de Luís Murat, em dezembro de
1895, Pompeia cometeu suicídio. Bilac morreu solteirão da silva e virou
professor honorário da Universidade de São Paulo.
Olavo Bilac (1865-1918), O
Príncipe dos Poetas Brasileiros, foi jornalista, poeta e membro fundador da
Academia Brasileira de Letras.
De pé, da direita para esquerda:
Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo Octávio, Heitor Peixoto.
Sentados, na mesma ordem:
João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário