domingo, 4 de setembro de 2016

Os duelos de Olavo Bilac


            

Pardal Mallet

Em 1889, o jornalista João Carlos Pardal Mallet desafiou Olavo Bilac a um duelo, ofendido com a saída do poeta do jornal A Rua, sob sua direção. Marcado para 19 de setembro, o confronto foi adiado duas vezes porque a polícia os vigiava. Finalmente, no dia 24 de setembro, Pardais Mallet e Bilac, sem testemunhas, se enfrentaram com espadas. A luta durou apenas 4 segundos. Mallet foi ferido na barriga, sem gravidade. Foi o bastante para que, conforme as normas do duelo, a luta terminasse.

(Do Blog Recanto das Letras)


Olavo Bilac

O duelo romanceado

Bilac ria sozinho ao se lembrar da história. Ela vinha enriquecer sua teoria de que os poetas não eram seres etéreos, desligados do mundo, mas homens de carne e osso, capazes de covardia ou bravura conforme o caso. O que lhe trouxe à memória seu inacreditável duelo com Pardal Mallet em 1889, um dois meses antes da Proclamação da República.

Não fora um duelo de mots d´esprit, nem de rimas nem de copos, como era comum – mas um duelo para valer, a espada, que terminara em sangue. E olhe que Bilac e Pardal eram amigos do peito, colegas de redação, passavam dia e noite juntos rindo na Ouvidor. O motivo, aliás, fora o Cidade do Rio. Pardal Mallet deixara o jornal de José do Patrocínio para fundar o seu próprio jornal, A Rua, e levara Bilac consigo. Mas Bilac não conseguia ficar muito tempo longe de Patrocínio, sua maior admiração. Logo voltou para o Cidade do Rio e, o que é pior, rebocou os colegas que tinham ido com ele. A Rua fechou.

Na Paschoal, que eles ainda frequentavam, Pardal culpou Bilac pelo fracasso de sua folha. Os dois discutiram e se mimosearam com expletivos:

“Suja-laudas!”, vociferou Pardal.

“Troca-tintas!”, invectivou Bilac.

“Pelintra!’, bramiu Pardal.

“Biltre!”, berrou Bilac.

“Caolho!”, rugiu Pardal.

“Cínico! Patife! Torpe! Vil! Embusteiro! Não sei estou que não lhe parto a cara!”, ejaculou Bilac.

Espelhos tremeram, os pingentes dos lustres repicaram e temeu-se pela sorte do célebre empadário. Dois ou três amigos acudiram com os panos quentes. Bilac pôs-se de perfil e foi taxativo:

“Não tenho prateleira para guardar insultos!”

Se houvesse ali uma bate-barbas, Bilac levaria a pior, por não usar barbas, ao passo que Pardal cultivava um belo cavanhaque louro. E uma briga a bengaladas, com as maçarandubas de castão de chumbo, estava fora de questão entre dois homens que, minutos antes, amavam-se como irmão. Então Bilac e Pardal tiraram as luvas, esbofetearam-se mutuamente e levaram a querela para o campo de honra.

(...)

Protegidos pela madrugada, cada qual no seu tilburi, os dois tomaram rumo da Lapa, para a casa de um amigo na rua do Riachuelo. Como combinado, o amigo os recebeu e saiu em busca de um médico, com instruções de ficar à espera na rua e só entra quando fosse chamado. O duelo seria ao primeiro sangue – ou seja, até que um dos dois fosse ferido.

(...)

Sem outra palavra, resignados e já com saudades de si mesmos, despiram os casacos, coletes, gravatas, colarinhos, punhos e camisas. De peito nu e calças presas pelos suspensórios, fecharam as cortinas, afastaram os móveis e escolheram os floretes. Cumprimentaram-se tristes e sem se olhar. Deram dois passos para trás, brandiram as lâminas e avançaram.

Mas nenhum dos dois era d´Artagnan. O Rio também não era Paris e a chué rua Riachuelo não era o Jardim de Luxemburgo. Na verdade, à luz do gás que ampliava suas sombras, o maior risco era o de um daqueles espadachins de araque furar o olho ou o braço ou o baço do outro sem querer. Por sorte, o combate durou apenas quatro segundos.

No primeiro bote de Bilac, pardal esqueceu-se de saltar de lado e a espada do poeta atingiu-o de raspão, sob a última costela. Pálido de espanto, Bilac viu sangue no amigo. Atirou longe o florete e partiu aos prantos para socorrê-lo. Pardal deixou-se abraçar, beijar e ensopar-se pelas lágrimas do poeta. Bilac carregou-o nos braços, depositou-o no sofá e correu para a rua, despenteado e seminu, clamando pelo dono da casa e pelo médico.

Não um, mas três médicos estavam de prontidão com o amigo, na calçada da rua do Riachuelo. Um deles tratou do ferimento de Pardal, o que lhe tomou apenas alguns segundos, e cuidou de acalmar Bilac, o que lhe tomou muito mais tempo. Os outros dois lavraram um atestado certificando que o sr. Pardal Mallet fora ferido em duelo pelo sr. Olavo Bilac e que, com isso, estavam ambos desagravados e podiam voltar a ser amigos.

Com o dia quase amanhecendo, Bilac e Pardal saíram abraçados e felizes pela rua rumo ao Largos da Carioca, flertando com as últimas estrelas e chutando cambucás podres pelo caminho. De repente, o Rio era Paris e eles, dois bravos mosqueteiros de Dumas pére. Sim, a vida é que era adorável.

(Do livro “Bilac vê estrelas”, de Ruy Castro)

Duelo entre cavalheiros

Horas depois de proclamada a República, o jornalista João Carlos Pardal Mallet entrou eufórico na redação do jornal Cidade do Rio e abraçou, com emoção cívica, o poeta Olavo Bilac. Quem visse a cena jamais imaginaria que, há menos de dois meses, os dois amigos cruzavam armas em duelo. O desafio partiu de Pardal Mallet, 25 anos, ofendido com a saída de Bilac, 24 anos, do jornal A Rua, sob sua direção. Marcado de início para 19 de setembro, o combate teve de ser adiado duas vezes porque a polícia, disposta a fazer cumprir a proibição que tenta pôr fim à moda dos duelos, vigiava de perto os padrinhos. Finalmente, no dia 24, ao nascer do dia, Pardal Mallet e Bilac se enfrentaram, sem testemunhas, espada na mão. Durou apenas quatro segundos a refrega: logo na primeira estocada, Mallet foi ferido na barriga, sem gravidade. Era o bastante para que, conforme as regras, a luta terminasse aí. O difícil, para os dois contendores, for disfarçar o alívio que sentiram.

(Veja na História)


Raul Pompeia

Em 1892, Olavo Bilac e o escritor Raul Pompeia (1863-1895) tiveram uma grande desavença. Um texto de uma revista dirigida por Bilac criticou Pompeia. Acusava-o de sofrer de "amolecimento cerebral" por masturbar-se muito à noite ao lembrar-se de beldades que via na rua. Pompeia, que tinha dificuldades com as mulheres, revidou dizendo que o seu desafeto (Bilac) era "marcado pelo estigma do incesto". Era uma referência a Bilac, que dizia não precisar de filhos, pois já tinha seu sobrinho. Para resolver a questão, organizaram um duelo de espada, que não foi realizado.

Entre Eros e Tânatos: o duelo de Olavo Bilac com Raul Pompeia

Luiz Roberto Benatti

Enquanto que o Rio de Janeiro imperial arrumava-se para vestir-se com o dólmã republicano, dividiam-se nos bares, nas ruas e nos lares florianistas de antiflorianistas. Poetas e escritores bebericavam ou se embriagavam à tarde nos grandes botecos recortados à moda francesa: Mallet, Pompeia, Bilac. A Confeitaria Cailteau, da Rua do Ouvidor, era a Petiskeira desses escritores boêmios. Mais tarde, mordido por cobra pernambucana, Bandeira os chamou de parnasianos aguados. Bilac cofiava o bigode vasto como se fosse um Salvador Dali carioca; Pompeia corrigia o prumo do pince-nez míope. Escreviam para as revistas da moda lidas em particular por charmosas moças pré-casadoiras. Havia sempre alguém para arrumar o salão para a dança dos desafetos. Numa dessas ocasiões, Oscar Rosas cobriu na redação do Jornal do comércio a ausência etílica de Bilac (março de 1892) e escreveu que Pompeia gostava de se masturbar em seu quarto solitário, à noite e numa cama fresca, amoroso e sensual, inspirado na recordação das beldades entrevistas durante o dia. O bicho mordeu Pompeia que se fechou no mutismo esquizoide, prometeu vingança e, tanto fez, que armou o duelo. Pistola ou espada? No contra-ataque, Pompeia escreveu que Bilac cometia incesto com um sobrinho. A fofoca permite que Tânatos saia da caverna escura e venha gritar aqui fora que somos todos santos de pau oco. Vai daqui, vai de lá, sempre que a dupla vingadora anunciava dia e hora do duelo em tal ou qual lugar, a polícia chegava antes para impedir o homicídio. Escolheram a espada, embora não soubessem manejá-la, porque nela a peleja cessa tão logo um dos contendores atinja o outro ainda que seja de modo leve. Três anos depois, mortificado por artigo de Luís Murat, em dezembro de 1895, Pompeia cometeu suicídio. Bilac morreu solteirão da silva e virou professor honorário da Universidade de São Paulo.


Olavo Bilac (1865-1918), O Príncipe dos Poetas Brasileiros, foi jornalista, poeta e membro fundador da Academia Brasileira de Letras.


De pé, da direita para esquerda:

Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo Octávio, Heitor Peixoto.

Sentados, na mesma ordem:

João Ribeiro, Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.



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