(Texto de Geraldo Magela, humorista cego)
Para começo de conversa, o cego é
sempre um ponto de referência, assim como os gordos e os carecas: “Você está
vendo aquela loira? Atrás daquele gordo...” ou: “Você está vendo aquele careca
ali na esquina? Pois é, a loja que você está procurando fica ao lado dele.” Mas
o pior tipo de referência é a do ceguinho! Tem sempre alguém dizendo: “Quero
ficar cego agora, se estiver mentindo!” Fica parecendo que todo cego é
mentiroso.
Muitas pessoas acham que, por eu ser cego,
todo mundo na minha casa também tem de ser: a mulher, os filhos, o cachorro, o
papagaio... Às vezes até me perguntam: “Sua mulher é normal?” E eu digo: “Não,
ela tem antena, rodinha e entrada para CD!”
Os comentários gerais, então, merecem
capítulo especial. Alguns dizem: “Coitadinho, tão bonitinho e cego!” “Você quer
dizer que, além de cego, eu tinha de ser feio, ter o pé grande, morar
longe...?” E tem os que perguntam: “Você é totalmente cego?” Ao que respondo:
“Não, só até as 18 horas. Depois dirijo um táxi!”
Atravessar a rua é uma verdadeira
piada. Tem pessoas que me ajudam a atravessar uma avenida de duas pistas e,
quando chegamos ao canteiro central, perguntam: “Você quer atravessar a outra
pista também?” Eu digo: “Não, eu moro aqui. Vamos entrar, tomar um cafezinho.”
Outro dia mesmo, eu estava com muita pressa e queria atravessar a rua, mas
ninguém me dava o braço. Então pensei: “O que há de errado comigo?“ Olhei para
um lado, olhei para o outro... Não vi ninguém porque sou cego... E decidi: “O
primeiro que me roçar o braço, eu agarro e atravesso!” Dito e feito: o primeiro
que me esbarrou, agarrei nele e atravessamos em meio às buzinadas. Ao chegar do
outro lado, agradeci:
- Muito obrigado.
- Não, eu que agradeço. Sou cego...
- Uai, você também é cego?
A maneira mais correta de atravessar
um cego na rua é você deixar que ele segure seu braço, pois assim ele sente os
seus movimentos. Você pode correr, descer escada, subir escada, pular buraco
que não tem problema! A maioria das pessoas pega o cego pelo braço, suspende e
aperta, mas aperta com tanta força que dá a impressão de que o cego quer fugir.
E ele só quer atravessar a rua! Às vezes coincide de duas pessoas me pegarem
uma de cada lado e suspenderem meu braço ao mesmo tempo. Eu penso: “Que bom,
vão me carregar!” Outros já me puxam pela bengala. Vão puxando, puxando... Aí
eu solto a bengala na mão deles. E, quando chegam do outro lado da avenida,
eles se assustam e perguntam: “Opa, cadê o cego que estava aqui?”
(Do site: www.ceguinho.com.br)
A verdadeira história
dos cegos e o elefante
O que houve depois
A história dos cegos e do elefante
está disseminada por aí, em várias versões. Mas nenhuma conta o que aconteceu
depois. Corrigimos isso a tempo, confira.
Era uma vez seis
cegos à beira de uma estrada. Um dia, lá do fundo de sua escuridão, eles
ouviram um alvoroço e perguntaram o que era.
Era um elefante passando e a multidão tumultuada atrás dele Os cegos não sabiam o que era um elefante e quiseram conhecê-lo.
Então o guia parou o animal e os
cegos começaram a examiná-lo:
Apalparam, apalparam... Terminado
o exame, os cegos começaram a conversar:
‒ Puxa! Que animal esquisito! Parece
uma coluna coberta de pelos!
‒ Você está doido? Coluna que nada!
Elefante é um enorme abano, isto sim!
‒ Qual abano, colega! Você parece
cego! Elefante é uma espada que quase me feriu!
‒ Nada de espada e nem de abano, nem
de coluna. Elefante é uma corda, eu até puxei.
‒ De jeito nenhum! Elefante é uma
enorme serpente que se enrola.
‒ Mas quanta invencionice! Então eu
não vi bem? Elefante é uma grande montanha que se mexe.
E
lá ficaram os seis cegos, à beira da estrada, discutindo partes do elefante. O
tom da discussão foi crescendo, até que começaram a brigar, com tanta
eficiência quanto quem não enxerga pode brigar, cada um querendo convencer os
outros que sua percepção era a correta. Bem, um não participou da briga, porque
estava imaginando se podia registrar os direitos da descoberta e calculando
quanto podia ganhar com aquilo.
A certa altura, um dos cegos levou uma
pancada na cabeça, a lente dos seus óculos escuros se quebrou ferindo seu olho
esquerdo e, por algum desses mistérios da vida, ele recuperou a visão daquele
olho. E vendo, olhou, e olhando, viu o elefante, compreendendo imediatamente
tudo.
Dirigiu-se então aos outros para
explicar que estavam errados, ele estava vendo e sabia como era o elefante.
Buscou as melhores palavras que pudessem descrever o que vira, mas eles não
acreditaram, e acabaram unidos para debochar e rir dele.
Morais da história:
Em terra de cego, quem tem um olho anda
vendo coisas.
Quando algo é tido como verdade, o que é
diferente parece mentira.
Problemas comuns unem.
Se você for falar sobre um bicho para uma
pessoa que nunca viu um,
melhor fazer com que ela o veja primeiro.
Virgílio Vasconcelos Vilela
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