Ceci – Noel Rosa – Mário Lago
Ceci
Ele (Noel) e Mário Lago só se
conhecem de vista. Embora tenham a quase a mesma idade (Noel é mais velho um
ano menos quinze dias), parecem-se bastante separados no tempo. Pelo menos em
termos de boemia, Noel já se pode considerar um veterano, um velho frequentador
do mangue, do Estácio, dos botequins do Centro, desses cabarés que se dispõem
ao longo da Mem de Sá e da Visconde de Maranguape. E só agora Mário começa a
aparecer pela Lapa. Encontraram-se algumas vezes no Nice, outras em reuniões
com amigos comuns, outras mais aqui e ali. Trocaram meia dúzia de palavras,
nada mais. Hoje, que os dois sabem existir uma mulher entre eles, tornam-se
ainda mais estranhos, olhando-se à distância, cismados. Jamais serão amigos.
Nem poderiam. A impedi-los, Ceci e o tempo. Ceci não sabe o que quer, tempo
cada vez menos generoso para com um Noel doente e cansado.
‒ Mas ainda gosto muito de você, Noel.
O silêncio com resposta é suficiente
para que Ceci saiba que ele não acredita. Sempre foi assim, as queixas, as
zangas fingidas, nas horas em
que Noel não vê em seus erros mais do que travessuras de
criança, perfeitamente perdoáveis, e o silêncio, um silêncio frio, cortante, se
algo que ela faça o machuque de verdade.
É durante esse período difícil para
todos – ele, Ceci, Mário – que Noel rabisca os primeiros versos de um novo
samba. Nada mais do que rabiscos sobre os quais ajusta um começo de melodia,
sementes que guardará até que tenha forças para fazê-las brotar.
Versos
interrogativos para interrogar Ceci:
(...)
O apartamento de Vadico fica na Rua
das Marrecas, bem perto da Lapa. Uma garçonnière
a que os amigos recorrem sempre que fazem uma conquista pelas redondezas. É
ali também que ele e Noel, em torno do piano, escreveram a maior parte de seus
sambas juntos. Mas desta vez Noel prefere outro lugar, outro, outro piano. Mais
próximo do Nice, como se tivesse pressa. Vadico nota-lhe a ansiedade, o ar
angustiado. Floriano sugere que usem o piano de um clube da esquina, a poucos
passos do Nice. Os três se dirigem para lá.
No caminho, Noel explica que tem um
começo de samba que quer que Vadico o ajude a concluir. E algo que eles têm que
fazer logo, o samba está preso dentro dele, como um nó na garganta.
‒ Está
bem, Noel – diz Vadico.
Noel começa a desabafar, a falar de
Ceci, de suas queixas de amor. Nesse dias – talvez pela doença – são também
confusos os seus sentimentos (...).
Enquanto Noel fala com Vadico,
Floriano afasta-se, discretamente. Sente-se embaraçado diante das confidências
que sabe feitas a Vadico e não a ele. Fica à distância, vendo e ouvindo os
amigos trabalharem no que parece ser um primor de samba. Noel vai passar a
letra a limpo em seu caderno de folhas soltas. Anotará o gênero e a autoria
(samba de Vadico e Noel Rosa), o título (Pra
que mentir?) e a data (8 de março de 1937). É apenas um esboço. Conseguirá
vê-lo concluído?
Pra Que Mentir?
Pra que mentir
Se tu ainda não tens
Esse dom de saber iludir?
Pra quê?! Pra que mentir,
Se não há necessidade me trair?
Pra que mentir
Se tu ainda não tens
A malícia de toda mulher?
Pra que mentir, se eu sei
Que gostas de outro
Que te diz que não te quer?
Pra que mentir tanto assim
Se tu sabes que já sei
Que tu não gostas de mim?!
Se tu sabes que eu te quero
Apesar de ser traído
Pelo teu ódio sincero
Ou por teu amor fingido?!
(Do livro “Noel Rosa
uma biografia”, de João Máximo e Carlos Didier)
Ceci, a Dama do Cabaré
Flavia Caled e João
Pedro Nascimento
Foi no dia 23 de junho de 1934,
em uma festa no bairro carioca da Lapa, que Noel Rosa se encontrou pela
primeira vez com Juraci Correia de Moraes, mais conhecida como Ceci, a dama do
cabaré. Uma jovem de 16 anos que veio da cidade serrana de Nova Friburgo para o
Rio de Janeiro, conseguindo seu primeiro emprego como dançarina no Cabaré
“Apolo”. Na data em que conheceu Noel, Juraci estava recebendo uma homenagem no
cabaré, e Noel se apaixonou pela moça.
O envolvimento de Noel e Ceci durou
três anos e a moça passou a ser uma das mulheres mais conhecidas e desejadas da
Lapa. O romance era bem conturbado e sempre havia brigas e confusões entre os
dois, mas foi marcante na vida do compositor que criou diversos sambas no tempo
em que ficou com a jovem, como “Dama do cabaré”, “O maior castigo que eu te
dou”, “Quem ri melhor”, “Só pode ser você”, “Pra que mentir”, “Silêncio de um
minuto” e “Último Desejo” (que anunciava o fim do romance).
“Dama do Cabaré” foi composto em
1934 e só foi gravado em 1936 por Orlando Silva, e a canção fez parte da trilha
sonora do filme Cidade Mulher, que foi produzido por Carmem Santos e dirigido
por Humberto Mauro. Noel usava o seu talento musical para dar voz poética aos
acontecimentos de sua vida. O samba dava a forma e a cadência necessária para
exprimir seus sentimentos.
Noel Rosa
Interessante, essa Senhora chamada Ceci, depois de anos fui descobrir que era conhecida como a Dama do Cabaré, amante de Noel Rosa...ela foi minha professora de matemática na Vila Kennedy....na rua Pretória, nr11....mas ela já faleceu.
ResponderExcluirAlexandre, sempre tive curiosidade em saber que rumo tomou a vida dela depois de sua história com Noel
ResponderExcluirTriste quando o amor se transforma em dor quando pessoas acabam se destruindo... Ceci e Noel...pq o amor pode ser tão cruel...
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