quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Os milagres da palavra

D. Silvério Gomes Pimenta


A nós, acostumados com as coisas grandes pela substância, grandes pelos efeitos, mas comuns pela frequente repetição, passam-nos muitas vezes despercebidas maravilhas estupendas. Assim acontece com a palavra do homem. Maravilha que só não espanta por ser comum a todos os homens, leva a palavra ao entendimento, ao coração, à imaginação dos outros os mais recônditos segredos de nossa alma. Grandes, variados, estupendos os efeitos da palavra! Move todas as fibras do coração humano; consola, aflige, irrita, estimula, acalma. No balbuciar da criancinha tem encantadora magia; na infância, é o enlevo dos pais; nos lábios dos velhos é solenemente triste, como triste é o despedir do crepúsculo, cedendo lugar às trevas da noite. No jovem, é folgazã e alegre; ponderada e madura, no varão. Na boca do general dá ímpeto e ânimo ao soldado; na do mestre, ilumina a inteligência; na do orador, ora revolve as multidões, ora serena paixões exaltadas; desperta os frios, infunde brios ao indolente. A mesma palavra consola, repreende, impera, suplica, aterra e anima. Na boca do poeta, a palavra fala à fantasia e ao coração, povoando aquela de imagens, revolucionando o coração de afetos. A ciência que revela os metais contidos na entranhas da terra é admirável; admirável a que penetra no fundo dos mares e nos mostra os segredos que lá se ocultam; admirável a que remonta muito acima das nuvens e nos comunica fenômenos não suspeitados; admirável a que chega a penetrar no interior dos astros, para nos dar, com segurança, sua composição íntima. Muito mais admirável, porém, é o dom da palavra que manifesta os segredos da alma humana, mais profunda que os mares, mais alta que a atmosfera, mais recôndita que os astros.

A palavra é um dom do céu, quase tão precioso como a mesma razão que constitui a essência humana, e tão apreciável que, se nos faltasse, de pouco nos serviria a mesma razão.


Dom Silvério Gomes Pimenta, sacerdote, professor, orador sacro, poeta, biógrafo, prelado e arcebispo de Mariana, nasceu em Congonhas do Campo, MG, em 12 de janeiro de 1840, e faleceu em Mariana, MG, em 30 de agosto de 1922.

Os versos latinos, as cartas pastorais e os artigos na imprensa granjearam-lhe fama, sendo comparado ao padre Manuel Bernardes e a Frei Luís de Sousa. E foi esse renome que o levou à Academia Brasileira de Letras.

Segundo ocupante da cadeira 19, foi eleito em 30 de outubro de 1919, na sucessão de Alcindo Guanabara, e recebido pelo acadêmico Carlos de Laet em 28 de maio de 1920. Foi o primeiro prelado brasileiro com assento entre os escritores consagrados pela Academia Brasileira de Letras.

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