(Histórias sobre Mário Quintana)
(30 de julho de 1906 –
5 de maio de 1994)
Paredes
O pintor Waldeny Elias atende à
campainha de seu ateliê na Rua General Vitorino e lá está Mario Quintana. Viera
agradecer pelo presente, uma pintura de bolso, de 6cm x 4cm. Levava-a, contou
com um sorriso português, “na algibeira do fato domingueiro”. Retribuiu
presenteando o velho amigo, a quem chamava de Pinta-Mundos, com o recém-lançado
livro Do Caderno H.
Na dedicatória, justificou por que
não havia aceito um quadro grande que o pintor lhe oferecera.
– Elias, me
desculpe e acredite. Eu não tenho paredes. Só tenho horizontes...
Indecisões
Em 1984 a Editora Globo
convidou-o para ir ao Rio de Janeiro revisar as provas da reedição do livro infantil
O Batalhão das Letras, que seria lançada 43 anos depois da edição original. A
sobrinha e secretária Elena Quintana foi junto. Hospedaram-se no Hotel Glória e
a editora combinou que, no dia seguinte, alguém passaria lá para pegar as
provas corrigidas.
Desde a manhã Mario trancou-se na
dúvida entre um “e” e uma vírgula em determinado poema. Botava o “e” e tirava a
vírgula, tirava a vírgula e botava o “e”, pedia a opinião de Elena, desistia do
“e” e voltava à vírgula. Ainda estava nessa quando por volta das seis da tarde
o telefone tocou informando que chegara o mensageiro da editora.
– Tio, o
homem está aí. Te decide.
– Pois é...
O que achas?
– Eu acho
que é “e”.
– Então tá:
põe vírgula.
Primo Borges
Um amigo de Mario viajou para Buenos Aires e foi visitar Jorge Luís Borges na Biblioteca Nacional. Conversa vai, conversa vem, falaram no poeta brasileiro e Borges disse que já havia lido alguma coisa dele. O amigo mencionou o nome completo, Mario de Miranda Quintana. Borges interessou-se: “Então é meu parente, eu tenho Miranda na família”.
Quintana, claro, ficou sabendo da
história. Quando Borges morreu, ele comentou com Sérgio Faraco: “Morreu feliz,
morreu pensando que era meu primo”.
Vocação
Quando esteve pela primeira vez
no Rio de Janeiro e em São
Paulo , os repórteres perguntaram por que não tinha saído do
Rio Grande do Sul. Respondia: “Não saio de lá pelo mesmo motivo que vocês não
saem daqui”.
Antes, bem antes
disso, quiseram saber em
Porto Alegre por que saíra de Alegrete.
– Lá quem não é estancieiro é boi.
Como não tenho vocação para nenhuma das duas coisas, vim para Porto Alegre.
Vales
Na época em que trabalhava na editora Globo ele andava sempre duro. Como o salário terminava antes do fim do mês, vivia pedindo vales de adiantamentos. Até que um dia o caixa chiou:
– Mas seu Mário,
o senhor já tem monte de vales!
Quis saber, com aquele sorriso maroto:
– Afinal, são vales ou são montes?
Quis saber, com aquele sorriso maroto:
– Afinal, são vales ou são montes?
Chateaçõezinhas
Na maior parte das vezes que andou em hospitais, Mario dividia o quarto com alguém. Desta vez, ao lado dele estava outro velhinho, quer dizer, outro senhor entrado
– Hora do
seu remedinho...
Pouco depois:
– Hora da sua sopinha...
Mais tarde:
– Vamos arrumar essas cobertinhas...
Pouco depois:
– Hora da sua sopinha...
Mais tarde:
– Vamos arrumar essas cobertinhas...
Sempre os tais diminuitivos que
ele tanto odiava. Virou-se para o companheiro:
– Daqui a pouco ela vai entrar
aqui e dizer: “Olha como eles estão agonizantezinhos...”.
Cartomante
Na juventude, em Alegrete, foi
consultar uma cartomante. Ela pediu que olhasse fixamente para a bola de
cristal, se concentrasse e lhe dissesse o que via.
– A ponta do
meu nariz.
Mais tarde, bem mais tarde, Mário
contou para Dulce Helfer que, naquela consulta, a cartomante dissera que aos 60
anos ele ficaria famoso. E exatamente no ano dos 60, 1966, foi homenageado pela
Academia Brasileira de Letras e teve matéria publicada na revista O Cruzeiro –
primeira grande reportagem sobre ele, tornando-o nacionalmente conhecido.
Mistérios...
Dor de dente
Três dias antes de morrer, no
Hospital Moinhos de Vento, ele achou inspiração para escrever uma frase e dá-la
de presente às enfermeiras. Ao contrário da letra grande e quase ilegível dos
últimos meses, mesmo tremida desta vez ela está miúda e nítida:“A maior dor do mundo é pente com dor de dentes’’.
Mário Quintana nasceu em Alegrete-RS, na noite de 30 de julho de 1906.
Fazia um grau abaixo de zero. Morreu em Porto Alegre , em 5 de maio de 1994.
Ora Bolas - O humor
de Mario Quintana - Juarez Fonseca- LP&M Pocket.
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