Com a 2ª Guerra,
restaurantes alemães do Rio foram obrigados a trocar seus nomes.
restaurantes alemães do Rio foram obrigados a trocar seus nomes.
Nos anos 40, ascensão
de Hitler e rejeição dos cariocas marcaram
bares Luiz, Brasil e Lagoa, hoje redutos da
gastronomia.
Ana Paula Blower*
Ana Paula Blower*
Casas tradicionais alemães do Rio
tiveram que se adaptar aos momentos tensos vividos durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Com navios do Brasil afundados na costa do país por
submarinos da Alemanha de Adolf Hitler, os ânimos se exaltaram aqui e símbolos
germânicos atraíram a ira dos mais radicais. Por isso, mesmo sem relação com o
regime nazista, os bares Lagoa, Luiz e Brasil se viram numa situação sem
escolha a não ser mudar suas características. Após enfrentarem ações violentas
de cariocas, os bares alteraram os nomes antigos. O Bar Luiz* chegou também a
pintar as paredes internas de bege e verde numa alusão às cores brasileiras.
Hoje, apesar dos dias em que foram mal interpretados, resistem às mudanças
urbanísticas da cidade e continuam agradando à clientela fiel.
Fundado em 1887, no Centro, o Bar
Luiz, ao contrário do que muitos pensam, foi criado por um brasileiro, filho de
suíços e natural de Petrópolis. Passando por dois endereços até se fixar na Rua
da Carioca, chamava-se, na década de 40, Bar Adolph. O nome era em homenagem ao
segundo proprietário, Adolph Rumjaneck, afilhado de Jacob Wending, primeiro
dono. Em 1942, o estabelecimento quase foi destruído por estudantes do Colégio
Pedro II, que não conheciam a origem do "Adolf" e logo atribuíram a Hitler.
Mesmo que uma coisa não tivesse relação com a outra, como disse o escritor
Antônio Houaiss em reportagem do GLOBO em 1987, ano do centenário do bar: “Em tempo de guerra, quem pensa em
coincidência?”, indagou Houaiss. Armados de pedras e pedaços de entulho, os
cerca de 200 jovens estavam determinados a vingar a honra brasileira depredando
o local. Eles mudaram de ideia após intervenção de ninguém menos que Ary
Barroso. De cima de uma cadeira, empunhando uma caldereta de chope escuro, o
compositor mineiro de Ubá discursou em defesa do lugar que frequentava desde
sua chegada ao Rio anos antes. No dia 28 de agosto de 1942, Ludwig Voit,
proprietário na época do Bar Adolf, publicou anúncio no GLOBO em que dizia ao “bravo povo brasileiro” que “inteiramente solidário com a causa comum dos
povos livres resolveu mudar o nome do Bar Adolf para Bar Luiz”. O dono
fazia questão ainda de deixar claro que era austríaco de nascimento, em letras
maiúsculas.
Reduto de boêmios na Rua Mem de Sá,
no Centro, o Bar Brasil, fundado em 1907, era conhecido como “O alemão da Lapa”
devido à nacionalidade do primeiro dono, Beutemuller, e pela grande quantidade
de frequentadores altos, loiros e de olhos azuis. Ao comprar o restaurante da
segunda geração de proprietários, o casal austríaco Felix e Gertrudes Sholler
passou 110 dias escondido no andar superior do sobrado na Mem de Sá com medo
das desconfianças políticas por parte dos brasileiros. Foi, então, que
decidiram mudar definitivamente o nome da casa de Bar Zepellin para Bar Brasil,
hoje considerado patrimônio cultural do Rio. A comida, no entanto, continuou a
mesma: chucrute, kassler e salsichões.
Os garçons mal humorados e a vista
para a Lagoa Rodrigo de Freitas são marcas conhecidas dos frequentadores do Bar
Lagoa. Nem todos, porém, conhecem a sua história de oito décadas atrás. Criado
em 1934 como Bar Berlim, quando Ipanema e Leblon eram bairros remotos e quase
inabitados, tornou-se Bar Lagoa 14 anos depois. Diante da comoção e da rejeição
que o nome gerava, os donos do restaurante não titubearam. Quando o Brasil
entrou na Segunda Guerra, em 1942, o local chegou a ser apedrejado por pessoas
revoltadas com o bombardeamento dos navios brasileiros pelos alemães. Por conta
da destruição e dos boatos de que ali era reduto de nazistas, o restaurante
fechou por um tempo e reabriu como uma casa de chás chamada Shangrilá,
tentando, assim, mudar a sua imagem negativa. Meses depois, em 1948, o
"Lagoa" passou a preencher a placa em frente ao bar, substituindo o
antigo nome.
Em 1987, o local passou por um
momento crítico: discutia-se sua demolição. O problema foi solucionado graças
aos clientes fiéis e ao sócio da família Grilo que se mobilizaram a favor da
sua preservação. Em setembro daquele ano, iniciou-se um processo de tombamento,
na gestão do prefeito Saturnino Braga. O então secretário de Cultura e cliente
do bar, Antonio Pedro, também colaborou. Com decoração Art Decó preservada, o
Bar Lagoa não nega suas origens e tem entre seus carros-chefes: kassler
defumado com chucrute e salsichões guarnecido da tradicional salada de batata.
Sem falar, claro, do chope, a bebida mais pedida da casa. Comprado recentemente
pelo empresário Omar Peres, o Bar Lagoa, também considerado patrimônio cultural
carioca, promete manter a tradição de um dos símbolos da boêmia carioca.
Já o Bar Luiz (também patrimônio
cultural) enfrentou problemas por conta da especulação imobiliária dos últimos
anos na região da Rua da Carioca. Em 2013, como mostrou reportagem do GLOBO, o
valor do aluguel pago mensalmente pelo endereço praticamente dobrou, de R$ 16
mil para R$ 30 mil, de acordo com a Sociedade Amigos da Rua da Carioca e
Adjacências (Sarca). Mesmo com as possíveis ordens de despejo, o local resiste
com o tradicional chope gelado e a presença da clientela fiel. Com uma história
que nasce lá no Rio Antigo, é referência de gastronomia e há muitos anos segue
ganhando prêmios.
*com edição de
Gustavo Villela, editor do Acervo O GLOBO
*Em setembro deste ano, 2019, o Bar Luiz esteve ameaçado de fechar. Mas, mesmo com poucos empregados, quase sem clientela, ele continua aberto...
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