Luis Fernando Veríssimo
Certas cidades não conseguem se
livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas
mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas
das menos afetadas são de Pelotas. Mas não adianta. Estas histórias do
psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista
de Bagé, história apócrifa é mentira bem educada), mas, pensando bem, ele não
poderia vir de outro lugar.
Pues, diz que o divã no consultório do
analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e
pé no chão.
– Buenas. Vá
entrando e se abanque, índio velho.
– O senhor quer que eu deite
logo no divã?
– Bom, se o amigo quiser dançar uma marca,
antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que
nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.
– Certo,
certo. Eu...
– Aceita um mate?
– Um quê? Ah, não. Obrigado.
– Pos desembucha.
– Antes, eu queria saber. O
senhor é freudiano?
– Sou e sustento. Mais ortodoxo
que reclame de xarope.
– Certo. Bem. Acho que o meu
problema é com a minha mãe
– Outro.
– Outro?
– Complexo de Édipo. Dá mais
que pereba – Eu acho uma pôca vergonha.
– Mas...
– Vai te metê na zona e deixa a
velha em paz, tchê!
xxxxxx
Contam que outra vez um casal pediu
para consultar, juntos, o analista de Bagé. Ele, a princípio, não achou muito
ortodoxo.
– Quem gosta
de aglomeramento é mosca em
bicheira... Mas acabou concordando.
– Se abanquem, se abanquem no
más. Mas que parelha buenacha, tchê! Qual é o causo?
– Bem – disse o homem – é que
nós tivemos um desentendimento...
– Mas tu também é um bagual. Tu não
sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?
– Eu não
meti a espora. Não é, meu bem?
– Não fala comigo!
– Mas essa aí tá mais nervosa
que gato em dia de faxina.
– Ela tem um problema de
carência afetiva...
– Eu não sou de muita frescura.
Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.
– Nós estamos justamente atravessando
uma crise de relacionamento porque ela tem procurado experiências
extraconjugais e...
– Epa. Opa. Quer dizer que a negra
velha é que nem luva de maquinista? Tão folgada que qualquer um bota a mão?
– Nós somos
pessoas modernas. Ela está tentando encontrar o verdadeiro eu, entende?
– Ela tá procurando o
verdadeiro tu nos outros?
– O verdadeiro eu, não. O
verdadeiro eu dela.
– Mas isto tá ficando mais enrolado
que linguiça de venda. Te deita no pelego.
– Eu?
– Ela. Tu espera na salinha.
Saindo do armário
Outra vez entrou um senhor no
consultório, deitou no divã e contou que ultimamente estava se comportando de
modo estranho.
– Me aposentei, doutor. E um dia, não
sei por quê, me deu vontade de pintar o cabelo de caju.
– Sei – disse o analista de Bagé, sem
tirar a bomba de chimarrão da boca.
– Comecei a
usar roupas assim. Camisa aberta até aqui embaixo...
– Tô
ouvindo.
– Medalhão
no peito...
– Pensei que
fosse devoção.
– E me deu
esta vontade de só andar com rapazes...
– Sim.
– Me diga,
doutor. Eu sou homossexual?
– Não existe
gaúcho homossexual.
– Mas a
gente vê tantos por aí...
– São as correntes migratórias. Tu
não tem nada, índio velho. Precisa é arranjar um passatempo. Colecionar selo.
Ou medalhão, pra não perder os que já tem. Vai pra casa e sossega, tchê!
– Se eu
fosse homossexual, nem sei o que fazia. Acho que me jogava por essa janela!
Aí o
analista de Bagé tapou a janela com o corpo e ameaçou:
– Te
fresqueia. Te fresqueia!
Salinha cheia
– Se
abanque, no más – disse o analista de Bagé, indicando o divã.
– Eu, ahn,
prefiro ficar de pé – disse o moço.
– Se
abanque, índio velho, que ta incluído no preço.
– Não,
obrigado...
– Deita aí! – disse o analista de
Bagé, empurrando o paciente, que caiu de costas no pelego.
O analista de Bagé sentou na sua
banqueta e começou a picar fumo para o palheiro. Como o moço não dissesse nada,
falou:
– E então?
Desembucha.
– É que eu
tenho um probleminha...
–
Probleminha só pode ser o moleque pequeno.
–
"Moleque?"
– A peça. O
trabuco. O Oduvaldo.
– Ah. Não,
não é isso.
– Então o
que é, tchê? Depressa que eu tô com a salinha cheia de louco.
– Bem, é que
eu...
– O quê?
– Eu desde
pequeno tenho este problema de incontinência...
–
Incontinência?
– Eu ainda
faço xixi na cama...
Nisso o
analista pulou e gritou:
– Meu
pelego!
E levantou o divã por uma ponta, despejando o paciente no chão.
E levantou o divã por uma ponta, despejando o paciente no chão.
O analista de Bagé e Luis Fernando por Edegar Vasques
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