J.J. Camargo*
A maioria das pessoas renuncia a
qualquer cargo ou direção para escapar do dilema de decidir, e transita leve e
solta pela planície dos que têm quem decida por eles. Quando se pretende poupar
alguém dessa angústia, é comum que criem comissões que servem apenas para dar
ao líder, que circula entre eles, a ilusão de que a escolha final será
compartilhada. Nunca é, porque mais de uma cabeça significa mais de uma opinião
e, ao final, alguém tem de desempatar e, de novo, o infeliz estará solitário
como sempre esteve desde que elegeram chefe.
Relendo O Mais Longo dos Dias, que descreve a maior invasão armada da
história, que marcaria o início do fim da II Guerra Mundial, me condói com o
sofrimento visceral do general Dwight Eisenhower, escolhido comandante supremo
da operação que estava determinada a mudar a história da humanidade, para o bem
ou para o mal. Tudo tinha sido meticulosamente planejado para que o elemento
surpresa compensasse as enormes fortificações construídas pelos nazistas para
barrar a entrada dos invasores. As praias francesas da Normandia foram
escolhidas como local de acesso por ser considerado o menos provável em toda a
costa. Havia rumores de que a invasão se aproximava e, então, desabou um
temporal. As previsões meteorológicas eram tão assustadoras que os alemães
baixaram a guarda: ninguém era maluco de se jogar no mar com um tempo daqueles.
A descrição do general caminhando solitário na costa da Inglaterra é comovente.
De um lado, a necessidade de aproveitar a lua cheia, indispensável à descida
dos milhares de paraquedistas e que expiraria em dois dias. Do outro, a
tempestade ambivalente: em troca do benefício de surpreender o inimigo, estava
atrelado o risco potencial de devastar a sua própria armada, composta por 5 mil
navios que cruzariam o Canal da Mancha sacudidos por ondas gigantescas.
A decisão temerária, mas acertada, de
invadir pôs fim ao delírio hitlerista, mas ninguém sofreu mais do que
Eisenhower que, depois de uma protelação angustiante de 24 horas, com os
soldados vomitando as tripas nos navios ondulantes, ordenou que invadissem. Fácil
imaginar o alívio dele quando ficou evidente que a vitória dependera da aposta
no improvável. É sabido que a angústia não é a melhor conselheira, mas, muitas
vezes, a ansiedade precipita a decisão quando se chega ao ponto de preferir-se
o erro e a culpa ao convívio indefinido com a dúvida e a covardia.
No fundo, consideradas as proporções
absurdamente diferentes, todos temos as nossa batalhas particulares, com
decisões que podem marcar o destino das nossas vidas e das pessoas que
apostaram que, na hora certa, saberíamos o que fazer.
Os membros do comando militar
referiram que o general pareceu muito estranho naqueles dois dias, certamente
esmagado pela descoberta de que as decisões
mais importantes são intransferíveis exercícios da mais absoluta
solidão. Um coronel relatou sua surpresa ao vê-lo caminhando sozinho na praia e
gesticulando como se estivesse pedindo ajuda. A maioria das pessoas,
terrificada pelo risco do fracasso, apela para forças que não consegue tocar,
mas precisa acreditar que existam, para socorrê-las. Como um soldado que
escreveu num cartão que foi mandado para sua mãe junto à medalha de herói:
“Oh, meu Deus, Tu sabes
que nestes dois dias estarei muito ocupado. Se eu me esquecer de Ti, por favor,
não Te esqueças de mim!”
Uma lástima que Deus estivesse, Ele
próprio, atarefado demais para atender as todas súplicas.
(Do Caderno Vida –
Palavra de Médico – Zero Hora Dominical)
* J.J. Camargo é cirurgião
torácico e diretor do centro de Transplante da Santa Casa de Porto Alegre.
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