Carolina e Machado na
idade em que se conheceram.
Carolina, o amor de quase
quarenta anos de Machado de Assis, faleceu aos 69 anos, em 20 de outubro de 1904,
depôs de sofrer longamente de um tumor nos intestinos.
À Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Já Lúcia Miguel Pereira credita a morte de Carolina a uma enfermidade
que se iniciou no final do ano anterior, pela ingestão de um medicamento
trocado. O que importa é que a vida de Machado em grande parte desmoronou. Ao
amigo Joaquim Nabuco, tempos depois, ainda oprimido pela perda, ele escreveria:
“Junto a isto a solidão em que vivo, depois
que minha mulher faleceu. Soube por algumas amigas dela de uma confidência que
ela lhes falou: dizia-lhes preferir ver-me morrer primeiro por saber a falta maior
que ela faria. A realidade foi talvez maior que ela cuidava; a falta é enorme.
Tudo isso me abafa e entristece. Acabei.”
Em outra carta a Nabuco, ele descreve
como anda a sua vida; “Note que solidão
não me é enfadonha, antes me é grata, porque é um modo de viver com ela,
ouvi-la, assistir aos mil cuidados que essa companheira de 35 anos de casados
tinha comigo, mas não há imaginação que não acorde, e a vigília aumenta a falta
da pessoa amada.”
Machado manteve a casa como se
Carolina ainda morasse lá, com todos os seus objetos intocados. A namoradeira,
onde os dois conversavam, ficou no mesmo local de sempre. Nas refeições, seu
lugar era arrumado à mesa, e na cabeceira da cama estava o volume de Esaú E Jacó, último de seus livros que ela conhecera – e o primeiro, ainda
de acordo com Lúcia Miguel Pereira, que não revisara antes de ir ao público,
com o marcador na página em que a leitura fora interrompida.
Todos os domingos, ia ao Cemitério
São João Batista – no bairro de Botafogo – cumprindo promessa do soneto,
levar-lhe flores frescas. Em seu testamento, feito dois anos depois da morte da
esposa, deixou expresso que era naquele jazigo que queria ser enterrado, ao
lado da esposa.
Os amigos perceberam seu abatimento
e, temendo por sua vida, ampararam-no tanto quanto podiam. Principalmente,
nesse período, Mário Alencar, filho de José de Alencar, a quem encontrava quase
todos os dias na Garnier e com quem ia jantar todos os domingos. Mesmo com esse
apoio, as crises de epilepsia iam se tornando mais frequentes e violentas.
“Foi-se a melhor parte da minha vida e aqui
estou só mundo... Éramos velhos, e eu contava morrer antes dela, o que seria um
grande favor; primeiro, porque não acharia a ninguém que melhor me ajudasse a
morrer; segundo, porque ela deixa alguns parentes que a consolariam das
saudades, e eu não tenho nenhum. Os meus são os amigos, e verdadeiramente são
os melhores; mas a vida os dispersa, no espaço, nas preocupações do espírito e
na própria carreira que a cada um cabe. Aqui me fico, por ora na mesma casa, no
mesmo aposento, com os mesmo adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga
Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei
vê-la, ela me esperará.”
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