Vamos Acabar Com Esta Folga
Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)
(Sérgio Porto)
O negócio aconteceu num café.
Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia
brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.
De repente, um alemão forte pra
cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a
surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o
alemão, levantou-se de lá e perguntou:
– Isso é comigo?
– Pode ser com você também – respondeu o alemão.
Aí então o turco avançou para o
alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão
repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português
que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para
cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e
caiu sem sentidos.
O alemão limpou as mãos, deu mais um
gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia
homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra
cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês,
depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um
brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:
– Isso é
comigo?
O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.
Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.
Tragédia Concretista
Luís Martins
O poeta concretista acordou
inspirado. Sonhara a noite toda com a namorada. E pensou: lábio, lábia. O lábio
em que pensou era o da namorada, a lábia era a própria. Em todo o caso, na pior
das hipóteses, já tinha um bom começo de poema. Todavia, cada vez mais obcecado
pela lembrança daqueles lábios, achou que podia aproveitar a sua lábia e,
provisoriamente desinteressado da poesia pura, resolveu telefonar à criatura
amada, na esperança de maiores intimidades e vantagens. Até os poetas
concretistas podem ser homens práticos.
Como, porém, transmitir a mensagem
amorosa em termos vulgares, de toda a gente, se era um poeta concretista e
nisto justamente residia (segundo julgava) todo o seu prestígio aos olhos das
moças? Tinha que fazer um poema. A moça chamava-se Ema, era fácil. Discou.
Assim que ouviu, do outro lado da linha, o “alô” sonolento do objeto amado, foi
logo disparando:
– Ema. Amo.
Amas?
– Como? –
surpreendeu-se a jovem – Quem fala?
– Falo.
Falas. Falemos.
A pequena, julgando-se vítima de um
“trote”, ficou por conta e, como era muito bem-educada (essas meninas de
hoje!), desligou violentamente, não antes de perpetrar, sem querer, um precioso
“hai-kai” concretista:
– Basta,
besta!
O poeta ficou fulminado. Não podia,
não podia compreender. Sofreu, que também os concretistas sofrem; estava
apaixonado, que também os concretista se apaixonam, quando são jovens – e todo
poeta concretista é jovem. Não tinha lábia. Não teria os lábios. Por que não
viajar para a Líbia? Desaparecer, sumir… Sentia-se profundamente desgraçado,
inútil. Um triste. Um traste.
O consolo
possível era a poesia. Sentou e escreveu:
“Bela. Bola.
Bala.”
O que, traduzindo em vulgar, vem a
dar esta banalidade: “A minha bela, não me dá bola. Isto acaba em bala.”
Não acabou, naturalmente. Tomou uma
bebedeira e tratou de arranjar outra namorada, a quem dedicou um soneto
parnasiano. Foi a conta. Casaram-se e são muito falazes… Oh! Perdão: felizes.
Homem precavido corre por dois
José Cândido de
Carvalho
Entrou no Bar
Pico Doce e falou pelo canto da boca, com jeito de poucos amigos.
– Se tem homem nesta bodega
levanta que vai morrer estraçalhado.
Um grandão, de cara tipo ninho de cobra, desembolsou quase dois metros de tamanho e falou:
– Te prepara, filhote de jacaré, para
brigar comigo.
E o outro:
– Comigo, uma ova! Tu que é de briga vai brigar agora mesmo com o leão que fugiu do circo de cavalinho e quer mastigar um valente desta praça, que eu nem desta praça sou. Vim apenas avisar. Passar bem e até nunca mais. O ronco do leão já está chegando.
E deu no pé.
Armas
Fagundes Varela
Qual a mais forte das armas,
A mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina,
Ou a funda aventureira?
A pistola? O bacamarte?
A espingarda, ou a flecha?
O canhão que em praça forte
Em dez minutos faz brecha?
Qual a mais firme das armas?
O terçado, a fisga, o chuço,
O dardo, a maça, o virote?
A faca, o florete, o laço,
O punhal, ou o chifarote?
– A mais tremenda das armas,
Pior que a durindana,
Atendei, meus bons amigos:
Se apelida: – a língua humana.
Sobre o futurismo representado por
Graça Aranha, versejou o filólogo Carlos de Laet, a propósito duma conspiração
abortada (segundo Idel Becker, Graça Aranha enviara a São Paulo um telegrama
cifrado, anunciando o imediato estouro dum movimento revolucionário. Dizia o telegrama:
“Tumor mole virá a furo esta noite”.
A polícia traduziu corretamente; e prendeu o Graça Aranha. Laet comentou,
então: “O Aranha publicou um livro simbólico, Canaã, que ninguém compreendeu...
Agora faz um telegrama secreto, que todo o mundo decifrou. Obscuro, quando quer
a claridade; diáfano, quando busca o mistério. Que estilista!”:
Soneto futurista
Carlos de Laet
Noite. Calor. Concerto nos telhados.
Cubos esferoidais. Gatas e gatos.
Vênus. Graças. Aranhas. Carrapatos.
Melindrosas. Poetas assanhados.
Rabanetes azuis. Sóis encarnados.
Comida no alguidar. Cuspo nos pratos.
Três rondas a cavalo. Mil boatos.
Prosa sesquipedal. Tropos safados.
Avenida deserta. Bondes. Grama.
Chopes Fidalga. Leite. Pão de ló.
Carros de irrigação. Salpicos. Lama.
Vacas magras. Esfinge. Triste. Só.
Tumor mole. São Paulo. Telegrama.
Dois secretas. Cubismo. Xilindró.
Soneto cacoépico
Glauco Mattoso
É má cacofonia “heroico brado”,
que faz o nosso hino ser por cada
macaco no seu galho de piada
motivo, mito presto profanado.
Galhofo quando grafo “deputado”,
um réu por cuja mãe a pátria brada
e cuja nota tem que amar melada
a puta que a recebe de ordenado.
Por ti gela meu pinto, e por ti são
meus bagos esmagados qual sardinha,
ó língua de tão baixo palavrão!
Dos cacos que cuspi, calou Caminha.
A mim toca, contudo, uma questão:
Se já Camões fez caca em “Alma minha”...
NATAL
Neste Natal quisera eu ter a dita
De ir ao teu lado, à sombra do teu vulto,
Ao menino Jesus render meu culto
Numa igrejinha simples e catita.
Longe dos faustos deste mundo estulto,
Num idílio de monja e cenobita
Entre os meus braços o teu rosto oculto,
Do amor a benção receber bendita.
Da natureza ouvindo a sinfonia.
Lá no Leme, entre as águas e as montanhas
Passarmos docemente o inteiro dia.
E à noite, após "complicações" tamanhas
Fazermos a consoada numa orgia
De vinho verde, beijos e castanhas.
O sapateiro à namorada:
Que queres, meu amor que eu ponha no teu sapatinho?
Ela, dengosa e sincera:
Uma meia sola.
Solenemente
Hermes Fontes
Juro por tudo quanto é jura... juro
por mim... por ti... por nós... por Jesus Cristo
– que hei de esquecer-te... Vê-me: estou seguro
contra o teu sólio, a cuja queda assisto.
E visto que duvidas tanto, visto
que ris do que, solene, te asseguro,
juro mais: pelo ser em que consisto,
por meu Passado, pelo teu Futuro!
Juro pela Virgem-Maria concebida!
Pelas venturas de que vou no encalço!
Por minha vida... pela tua vida!
Juro por tudo o que mais amo e exalço!
...E, depois de uma jura tão comprida,
juro... juro que estou... jurando falso.
Muito bom
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