(Conto de Idalécio
Vitter Moreira)*
Todo o dia, desalentados,
confiando bigodes e sacudindo cabeças... os convencionais reiniciaram
conversações. Não desatavam o nó, encroado. Em certos momentos, quando tudo
parecia deslindar-se, alguns até abraçando-se, ensaiando um fato novo. Os
articuladores, então, retomavam conversações entre os três candidatos...
Ajustava um detalhe, desajustava outro; de acerto em desacerto as horas
troteavam.
No salão grande, de festas – cuias,
velhos arreios, chifres enormes e todo tipo de adereços à gaúcha, pelas paredes
e teto – atravancados nos lábios, palheiros sem cessar queimando, catinguentos,
estratégias sussurradas – em convenção escolhiam o candidato a prefeito.
Cabeça melenuda em pé, olhos melados,
abelhudos, bombacha larga, dessas preguedas, botas lustradas, lenço-nó-de-festa
abanando, Ramalho tossia disfarçando e... metia-se bem-sim-senhor nos pequenos
grupos, esquecendo do “com permício” ou do “dá licença, companheirada”.
Enfiava-se oferecido, dando palpites e, sem quase ouvir ponderações, caminhava
para outro agrupamento. Sem tréguas, ia a um dos candidatos, abraçando-o
espalhafatosamente, bigode penteado roçando a cara do pretendente, parecendo
cochichar “sou dos seus”. Meia volta, olhos comprimidos, derretendo-se,
enlaçava num gordo abraço o outro. Ia ao terceiro... Para todos tinha-se a
impressão de lembrar que era “um dos seus”.
O dia inteiro, escorrido todo em
discussões repetitivas, encurtava sem a decisão esperada. De impasse em
impasse, as horas gotejavam como roupa molhada em varal, finando-se a tarde com
o quadro inalterado. Às pretensões dos três candidatos, e seus
correligionários, mantinham-se encalacrados. Ninguém cedia uma teta que fosse.
Ramalho, impertinente, persistia na teimosa
romaria. De grupo em grupo.
De candidato em candidato – estabanado, bigode cutucando a
cara dos postulantes, fala cochichada, ares de cumplicidade e abraços de quem
já pensa numa secretaria municipal, numa subprefeitura...
Distribuídos por três cantos do
salão, os candidatos e seus cupinchas não faziam concessões. Apenas havia um
bolo, e cada qual o queria inteiro!
O trabalho dos articuladores não
esfriava – de canto para canto, de leva e traz, de arreglos, mas... nada. Às
vezes alguém rompia a cadeia de cochichos: “solucionada a questão!” Cabeças
voltavam-se em busca do anúncio, vozerio sumia... Porém, no rabo do eco, alguém
recomendava: “Ainda não será para agora...”
Quase noite, quando o desenlace
estava mais difícil que parto de terneiro atravessado, deu-se o ajuste
conciliador: de um dos grupos sairia o candidato. Do outro, o vice. E do
terceiro, algumas secretarias e subprefeituras estratégicas – caso o partido
vencesse as eleições municipais!
Ramalho, sorriso de boca escancarada,
faceirice de cusco lambendo os pés do dono, bigodes na cara do candidato,
abandonou o local da convenção com o escolhido aos abraços, talvez a acentuando
que era “um dos seus”.
*Idalécio Vitter Moreira nasceu em Hulha Negra , à época
distrito de Bagé, em 24-2-1945. Fez o curso de Técnico Agrícola na ETA-Viamão
e, após, transferiu-se para Lagoa Vermelha, onde passou a atuar como professor
nesta área. Licenciou-se em Língua Portuguesa e Literatura e passou a
lecionar. Freqüentou - sem concluir - pós-graduação em Literatura Brasileira
e também ministrou aulas de Sociologia, para o curso de Magistério. Idalécio
Vitter Moreira: gaúcho, jornalista e professor. Faleceu em 2004. Deixou
Fragmento (contos e crônicas), A quatro mãos, O Silêncio dos Homens e o inédito
Os votos do Padre & Outras estórias.
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